Na data em que é celebrado o Dia da Amazônia, maior bioma do mundo que extrapola os limites do Brasil e cria raízes em mais oito países da América Latina (Paraguai, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana Francesa e Suriname), a cidade de Santarém, no Pará, foi palco da 7ª plenária do Plano Clima Participativo, na Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa). A ideia é debater propostas para a preservação da floresta e para a elaboração de políticas públicas voltadas para os povos que habitam nela.
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, aproveitou a ocasião para relembrar a trajetória do seringueiro e ativista Francisco Alves Mendes Filho, mais conhecido por Chico Mendes, que foi assassinado em 1988 por defender os direitos dos seringueiros e por lutar pela preservação da Floresta Amazônica. “Eu fico emocionada e toda arrepiada, porque essa luta vem de longe. Foi de onde surgiu a ideia de socioambientalismo, no Acre, com a luta do Chico Mendes e depois foi se espalhando para o Brasil e para o mundo inteiro.”
Marina destacou que a bandeira defendida pelo seringueiro se fortaleceu ao longo dos anos e que não há como falar de proteção da natureza sem incluir a discussão sobre os direitos e a qualidade de vida da população local. Por isso, ela ressalta a preocupação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em criar o Plano Clima Participativo, justamente, para ouvir as demandas das pessoas que moram na região.
“Isso aqui que nós estamos discutindo é para que a gente internalize nas políticas públicas do Brasil. O presidente Lula tem compromisso com o desmatamento zero, com combate à desigualdade, com enfrentamento de tudo que foi colocado aqui”, disse a ministra. “Vocês sabiam que esse aqui é o primeiro Plano Clima Participativo do mundo? Esse é um processo da ONU, das Nações Unidas, não é um processo do país, mas o presidente Lula pediu que eu e o Márcio (Macêdo) fizéssemos a escuta da sociedade. Ele disse: ‘Eu quero a convenção participativa, eu quero o G20 participativo. Nós vamos ouvir a sociedade e essas propostas vão estar lá’”, acrescentou Marina.
E ser ouvido foi, de fato, uma das demandas apresentadas pelos representantes das organizações da sociedade civil, dos conselhos de políticas públicas, dos movimentos sociais e sindicais que participaram do encontro. “Nada sobre a Amazônia sem os amazônidas!”, em algum momento, a plateia entoou, reforçando a necessidade de criar instrumentos de participação para que a comunidade que vive na região amazônica possa participar dos debates e propor soluções.
“Somente com a superação das barreiras estruturais e a inclusão de todas as vozes poderemos construir um Plano Clima eficaz, justo e popular, que respeite a necessidade das diversas populações amazônicas e que utilize o conhecimento tradicional dessas comunidades na construção de soluções inovadoras e sustentáveis. A Amazônia deve ser tratada como um território vivo, com políticas que reflitam a sua verdadeira diversidade e complexidade, garantindo que as ações climáticas do Brasil sejam equitativas e eficazes”, defendeu Alice Matos, representante do movimento Tapajós Vivo.
O ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Márcio Macêdo, fez questão de frisar a importância da participação social neste processo. “Nós estamos trabalhando no Plano Clima e é possível que possa ter erros que nós temos que corrigir. E o espaço está aberto para contribuir, para criticar, para apontar os rumos, para a gente construir, conjuntamente, esse país maravilhoso chamado Brasil. E o presidente Lula falou, no seu primeiro dia de governo: ‘Nós queremos construir políticas públicas para o povo, mas com o povo.’”
Macêdo destacou que as propostas foram ouvidas com atenção e serão tratadas com seriedade. “Temos que tratar as coisas com transparência, com objetivo, nos debruçar sobre os problemas e dizer: ‘Isso aqui nós podemos resolver agora, isso aqui podemos resolver dentro de um determinado tempo, isso aqui não tem solução. Como encontramos outra forma? É assim que se constrói políticas públicas de forma transparente, de forma respeitosa, de forma companheira, respeitando a construção coletiva da sociedade civil organizada”, apontou o ministro.
Um tesouro
Cerca de 60% da Amazônia está em solo brasileiro, espalhada por sete estados da região Norte (Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins), e em uma parte dos estados do Mato Grosso e do Maranhão. É um tesouro natural que abriga uma enorme diversidade de ecossistemas terrestres e aquáticos. Estima-se que a Amazônia abrigue 14% das aves, 9% dos mamíferos, 8% dos anfíbios e 18% dos peixes que habitam os trópicos. Contudo, a compreensão da ecologia e da distribuição geográfica da maioria das espécies na região ainda é muito limitada.
O professor e químico Lauro Barata é pesquisador das propriedades de substâncias das árvores amazônicas. Por quatro décadas, ele deu aulas na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e, há 15 anos, voltou ao Pará, sua terra natal, para contribuir no estabelecimento da Universidade do Oeste do Pará (Ufopa), em Santarém.
Ele participou da plenária a convite da ministra Marina Silva para representar todos os cientistas que pesquisam sobre a Amazônia e sobre formas de combater os danos provocados pelas mudanças climáticas. Para o professor Barata, um dos caminhos é a criação de uma rede amazônica de ciência, tecnologia e inovação que abandone a economia, simplesmente, predatória da floresta, e desenvolva propostas socioeconômicas de exploração de sua diversidade de flores, frutos, folhas e sementes.
“A economia da Amazônia é baseada no que o Estado exporta para o mundo: 83% é minério, mas nós não fabricamos nenhuma roda de carro aqui, nenhuma roda de bicicleta. Então, nas nossas florestas, o que nós temos é a destruição, é madeira. São 200 milhões de dólares que são produzidos de madeira e não se produz um único medicamento isso aí. Nós temos 1.450 medicamentos registrados pela ciência, mas temos apenas cinco medicamentos da Amazônia na Anvisa. Nós temos 350 plantas aromáticas possíveis de produzir perfumes e cosméticos, temos apenas cinco que estão comercializados”, lamentou.
Mitigação de danos
A floresta e seu povo padecem com o desmatamento. Embora ainda seja o bioma mais preservado do país, dados de julho do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam que 18,3% da vegetação nativa da Amazônia já foi desmatada. Os números indicam, porém, que o desmatamento na região caiu 45,7% de agosto de 2023 a julho de 2024, com as ações do Governo Federal: a maior redução proporcional já registrada para o período.
Sem árvores, sem água e em chamas, o solo não produz. A comunidade local sofre com a fome e com a falta de recursos oriundos da agricultura familiar. Por isso, Cezarina do Socorro Carvalho, da Associação de Organizações de Mulheres Trabalhadoras do Baixo Amazonas, defendeu a necessidade do debate e implementação dos quintais agroecológicos ou quintais agroflorestais, que se apresentam como uma alternativa para a produção de uma alimentação saudável e uma estratégia de garantia da segurança alimentar. Vender o excedente da produção e promover a geração de renda, defende ela, são outros benefícios desse sistema.
Em épocas de cheia ou de estiagem, sofre quem sobrevive com recursos da natureza. Assim, a criação de um programa nacional de enfrentamento, mitigação e adaptação aos impactos de mudanças climáticas com fundos para atender diretamente os agricultores e agricultoras familiares atingidos por desastres climáticos foi umas das propostas apresentadas por Claudionor Carvalho, da Federação de Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Pará.
“Com a mudança do clima aqui, na nossa região amazônica, nós tivemos muitas perdas de produção, e a gente entrou num processo de escassez de alimentos da agricultura familiar, tivemos muitas dificuldades de conseguir sementes para plantar neste inverno”, lamentou.
A criação de um “seguro estiagem” para os extrativistas e agricultores familiares que lhes garanta apoio financeiro durante o período da seca foi uma das sugestões apresentadas por Edilson Silvera Figueira, do Conselho Nacional de Populações Extrativistas.
Dificuldades resultantes das mudanças do clima também são enfrentadas pelos pescadores e pescadoras da região. Franci Lourdes Gonçalves, do Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil, disse que o povo pesqueiro que tira o sustento do rio está sentindo no bolso os efeitos da estiagem. Assim, ela pede pelo “financiamento para a construção de protocolos de adaptação e contingência dos efeitos da crise climática nos territórios tradicionais para garantir a permanência dos pobres e das comunidades tradicionais em seu território.”
Garantia do território
Entre as propostas apresentadas pelos representantes da sociedade civil e dos movimentos sociais, Mário Augusto Pantoja pediu voz ao povo que mora em território quilombola. Representante da Federação das Organizações Quilombolas de Santarém, ele diz que, ao todo, no município de Santarém existem 13 territórios quilombolas onde vivem cerca de 1,2 mil famílias que precisam de olhar atento e da proteção do Estado.
“Nós precisamos ser consultados tanto em relação ao desenvolvimento como sobre o clima. E essa consulta é uma forma de trazer segurança para as famílias que estão lá dentro. Além dos quilombolas, existem ainda milhares de famílias que precisam viver de forma sustentável. Essas pessoas vivem da pesca, do extrativismo e têm a sua cultura. Nós não somos contra o desenvolvimento. A gente, mais do que nunca, é a favor, mas desde que seja um desenvolvimento de forma sustentável”, afirmou Mário, que reforçou a importância da conquista da titulação territorial para seu povo.
O direito a permanecer em suas terras, aliás, foi tema recorrente na plenária em Santarém. Aldemar Ferreira de Jesus, da Associação do Projeto de Assentamento e Desenvolvimento Sustentável do Paraíso, acredita que uma das causas que afetam o clima é justamente a falta de garantia e segurança jurídica de os povos e comunidades da Amazônia viverem em seus territórios.
“Nós, como povos da Amazônia e como trabalhadores rurais, agricultores familiares, hoje, estamos plantando, mas não sabemos se vamos colher. Seja pela escassez da chuva ou pela sua grande quantidade. Seja por conta das queimadas que atingem as nossas produções. Seja por conta das grandes secas. E ainda se não bastasse a questão das mudanças climáticas, a gente vivencia, enquanto amazônidas, as ameaças por grandes latifundiários, a exploração ilegal dos nossos territórios sem nenhum acompanhamento ou alguma defesa do Estado.”
Ser expulso do próprio território também é uma queixa dos jovens. Ricardo dos Santos Reis, do coletivo de juventudes Guardiões do Bem Viver, diz que, muitas vezes, eles são iludidos pelo sonho de uma vida melhor nas cidades, mas, ao chegarem aos grandes centros urbanos, ocupam apenas espaços nas periferias e sofrem com a falta de oportunidade de trabalho.
Por isso, eles querem investimento na região amazônica para que possam garantir a sustentabilidade da juventude do campo, das águas e da floresta, “por meio da criação de um plano que vise a promoção da sucessão rural de jovens com iniciativas produtivas de base agroecológica e agroextrativista, a partir da valorização dos conhecimentos tradicionais e da assistência técnica adequada à nossa realidade, não prejudicando a terra, que é o que nós já fazemos, gerando emprego e renda para as populações do campo.’’
Ciclo de plenárias
O lançamento do ciclo de plenárias do Plano Clima Participativo foi em Brasília, no dia 30 de julho. A partir daí, outros sete encontros presenciais foram programados. Em 1° de agosto, o tema do ciclo foi o Sistema Costeiro-Marinho, em Recife (PE); no dia seguinte, a plenária abordou a Caatinga, em Teresina (PI); o Pantanal foi o tema da plenária de Campo Grande (MS), no dia 14; já o bioma Mata Atlântica foi debatido em São Paulo (dia 15); e o Cerrado, em Imperatriz (MA), no dia 23 de agosto. Após a edição no Pará, ainda está prevista a plenária sobre o Pampa (em Porto Alegre/RS).
Das plenárias sairão propostas que poderão ser incluídas na primeira versão do documento, que será apresentado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na COP 29, no Azerbaijão, em novembro. E o resultado de todo o processo de formulação de instrumentos da Política Nacional sobre Mudança do Clima, com participação direta da sociedade civil, será apresentado na COP 30, que será realizada no Brasil, em Belém (PA), em novembro do ano que vem.
Participação social
Mais de 18 mil participantes já interagiram com o processo do Plano Clima no site do Brasil Participativo . Ao todo, até 5 de setembro, foram 1.047 propostas apresentadas, com 1.684 comentários e 34.963 votos. Por meio da ferramenta, cidadãs e cidadãos podem cadastrar suas ideias respondendo à pergunta “Como o Brasil pode enfrentar as mudanças climáticas e reduzir seus impactos?”, além de votar e comentar as contribuições enviadas por outros participantes. O prazo para a participação foi prorrogado até o dia 26 de agosto.
Qualquer pessoa com CPF pode apresentar três propostas e votar em até 10 propostas de outros participantes, inclusive das plenárias. Ainda há espaço para comentários. As 10 propostas mais votadas de cada um dos 18 temas definidos pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima poderão ou não ser incorporadas ao texto após análise do governo federal.
A participação social no Governo Federal é atribuição da Secretaria-Geral da Presidência da República. O modelo usado para o Plano Clima é o mesmo do PPA Participativo (Plano Plurianual 2024-2027) realizado no ano passado. Com metodologia de participação presencial e digital, o processo resultou na maior participação social da história do Governo Federal.
PLANO CLIMA — A última fase de elaboração do Plano Clima será em 2025, com a formulação de planos setoriais e a realização da 5ª Conferência Nacional de Meio Ambiente e Mudança do Clima em maio. A partir do texto, o Governo Federal deve propor outras mudanças na legislação ambiental do país.
Todo o processo de formulação de instrumentos da Política Nacional sobre Mudança do Clima, com participação direta da população, será apresentado na 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 30), que acontece no Brasil, em Belém (PA), em novembro de 2025.
Fonte: Agência Gov