O paulistano Francisco Sant’Ana, um garoto preto da periferia de São Paulo bem que tentou ser jogador de futebol, até que rompeu os ligamentos do joelho. Para sobreviver, vendeu roupa no trem, galinha na feira, fez de tudo um pouco. Traz consigo a marca da resistência e a potência criativa da periferia brasileira. Cursou Geografia na USP, trabalhou no governo do Estado, até que chegou a conclusão de que não era o que queria para sua vida. Aos trinta anos, resolveu investir naquilo que realmente gostava de fazer: cozinhar. Foi questão de tempo para chegar a Paris.
O conselho do professor mudou sua vida
Francisco vendeu um pequeno apartamento em Osasco e apostou tudo num curso de Gastronomia, até que levou a sério um conselho de seu professor, que não via nele o ritmo para cozinhas de restaurantes mas que daria um bom confeiteiro. Seguindo o conselho, acabou emendando uma série de experiências e formações internacionais, primeiro na Argentina, e depois na Europa, onde ficou seis anos – lá, obteve o diploma de chef pâtissier e glacier na prestigiosa Escola Nacional Superior de Confeitaria da França, estagiou com Alain Chartier, considerado um dos melhores sorveteiros do mundo, e trabalhou para a Gelato University Carpigiani, na Itália. De volta ao Brasil desde 2015, Sant’ Ana criou uma Escola do Sorvete, onde passou a dar aulas, além de fornecer sorvetes para restaurantes e lojas e dar consultoria para sorveteiros que vão desde o interior do Goiás a países como El Salvador, Rússia e Egito.
Fundou a Escola e foi para Paris
O fundador da Escola do Sorvete, uma organização que trabalha na perspectiva de formar pessoas na produção de sorvetes, priorizando o uso de ingredientes saudáveis, produzidos sem adição de conservantes, corantes, saborizantes e outros produtos químicos, e que busca o fortalecimento da agricultura familiar através do fornecimento de matéria-prima, é uma das principais atrações do Le Salon de la Patisserie, que começou no último dia 17 e segue até hoje, em Paris.
Em sua entrevista para a rfI, Francisco diz que “é uma honra ser convidado ao salão em Paris e poder contar um pouco de sua história com produtos nacionais”. O amor pelo sorvete resultou na criação da Escola Sorvete, uma contraposição ao mercado que se rendeu à gordura vegetal, corantes, saborizantes e emulsificantes. “Sorvete tem que ser natural, que o leite e as frutas tem que vir de pequenos produtores”.
Para Zakari Benkhadra, fundador e diretor do Salão, convidar Francisco para um evento essencialmente francês foi natural, devido à excelência do brasileiro:
“Eu conheço o Francisco há dez anos. Nos encontramos quando eu era diretor-geral da Escola Nacional Superior de Pâtisserie e ele veio estudar nesta escola. Ele adorou, virou parte da nossa família. Depois, ele voltou ao Brasil para fundar a sua própria escola de chef glacier, a Escola do Sorvete. Eu tive a honra e o privilégio de visitar sua escola duas vezes e a achei formidável. Eu fiquei muito orgulhoso de Francisco ter realizado isso em São Paulo. Ele sempre teve uma preocupação com o natural, o orgânico, o sustentável, o local, então esta parceria com o MST vem ao encontro de seu ideal”, continua o diretor do evento, sobre seu ex-pupilo.
Sorvete do Campo, parceria com o MST
O Chef afirma que já vinha se aproximando do MST oferecendo bolsas de estudos para militantes, visitando as áreas de Reforma Agrária e adquirindo produtos para a fabricação desses sorvetes. Agora, com a parceria construída, a perspectiva é que as pessoas comecem a gerar mais renda como sua produção.
“Porque não criar uma marca da agricultura familiar, do MST, do povo compesino? Agora eles se sentem representados, pois, para alguns tipos de frutas a gente chega a agregar 15 vezes a mais valor do que se ela fosse vendida in natura, então a gente pensa em melhorar a rentabilidade do produtor, agregar valor e garantir a qualidade do produto”, afirma Francisco. Nascia, então, a marca Sorvete do Campo.
Lourival Placido, da Direção Estadual do MST em São Paulo pelo Setor de Produção, aponta que, “o movimento se envolveu nesse projeto de construção de uma marca de sorvete que dialogue com o que a gente luta, constrói e sonhe no dia-a-dia para a agricultura familiar, que é ter um sorvete com frutas de verdade e produzidas de forma orgânica, no processo da transição agroecológica. Que substitua os ingredientes químicos pela fruta realmente, porque isso vai favorecer a agricultura familiar, já que vai aumentar a demanda de fornecimento de fruta.
O projeto, prevê a formação na fabricação de sorvetes em todas as regiões de São Paulo, fazendo, assim, com que as famílias assentadas e organizadas nas associações e cooperativas fabriquem e distribuição os sorvetes de forma descentralizadas e a incidência sobre a legislação para que haja uma regularização da forma de fabricação de sorvetes, de modo que considere a obrigatoriedade do uso de frutas de verdade no processo de fabricação.
Crédito: Na imagem, Francisco (E) e Zakari Benkhadra (D) (Paloma Varón, rfI)