Recifes de corais geram até R$ 167 bilhões ao Brasil em serviços de proteção costeira e turismo. É o que aponta um estudo inédito realizado pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, o primeiro nessa escala a calcular o valor dos serviços ecossistêmicos oferecidos pelos recifes de corais para a redução de danos causados por ressacas, alagamentos e erosões em regiões costeiras.
A pesquisa, que também avaliou o impacto econômico do turismo em destinos com recifes de corais no Nordeste, revela que as receitas com atividades de lazer e recreação chegam a R$ 7 bilhões por ano.
O estudo é a base para a publicação “Oceano sem mistérios – Desvendando os recifes de corais”, que acaba de ser lançado e já está disponível para download no site da Fundação Grupo Boticário.
“Apesar de ocuparem menos de 0,1% do fundo do oceano, os recifes de corais têm papéis ecológicos essenciais, oferecendo abrigo e alimentos para cerca de 25% das espécies marinhas. A pesquisa demonstra que esses ecossistemas, além de toda a relevância ecológica, prestam importantes serviços para a sociedade”, afirma Malu Nunes, diretora executiva da Fundação Grupo Boticário.
“A importância dos recifes de corais é muito maior do que a maioria das pessoas imaginam. Esperamos que o estudo estimule um olhar mais atento da sociedade para esses ecossistemas e inspire uma melhoria nos esforços de conservação. Já é hora de incorporar a avaliação econômica à gestão integrada da nossa zona costeira”, reforça.
Para Malu, a pesquisa evidencia a importância do manejo sustentável dos recifes de corais e pode estimular o diálogo entre diferentes atores, unindo esforços do poder público, do setor empresarial e das organizações do terceiro setor.
“Nosso objetivo é fortalecer a elaboração de políticas públicas de fomento à conservação, incentivar a comunicação qualificada, proteger a zona costeira brasileira e valorizar a biodiversidade de recifes de corais”, salienta.
Proteção costeira
De acordo com a publicação, em uma área de aproximadamente 170 quilômetros quadrados na região Nordeste, entre o sul da Bahia e o Maranhão, os recifes de coral, areníticos e rochosos geram o total de R$ 160 bilhões em proteção costeira. Para cada quilômetro quadrado de recifes, R$ 941 milhões são economizados em danos evitados. Esses ecossistemas ajudam a proteger as comunidades costeiras de tempestades, ressacas e erosões causadas pelas ondas do mar.
“A degradação de recifes de corais aumenta a vulnerabilidade da costa, principalmente em situações de eventos extremos que podem gerar grandes danos e perdas materiais e imateriais. Se o atual quadro de deterioração dos recifes de corais permanecer inalterado, as regiões costeiras estarão ainda mais expostas à inundação e erosão”, explica Ronaldo Christofoletti, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), professor do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e membro do Grupo Assessor de Comunicação para a Década do Oceano da UNESCO.
O estudo alerta que as mudanças climáticas podem ampliar a intensidade de chuvas, ressacas e furacões, aumentando a energia das ondas. Nesse cenário, os recifes de corais serão ainda mais importantes para a proteção costeira e, consequentemente, terão valor econômico ainda maior para a proteção das comunidades que vivem ao longo da costa.
“Devemos compreender que os investimentos na conservação e restauração de recifes de corais, além de todos os benefícios ecológicos, representam uma parcela muito pequena em comparação aos custos que podem ser gerados pela falta de proteção costeira. Não há dúvidas de que a infraestrutura convencional de proteção costeira – quebra-mares, diques, muros e paredões – traz custos muito maiores”, afirma Christofoletti.
Foram selecionados quatro municípios que representam cidades com densidades populacionais típicas do litoral do nordeste brasileiro e que possuem uma área significativa de recifes de corais do tipo franja próximos à costa: Recife e Ipojuca, em Pernambuco, e Maragogi e São Miguel dos Milagres, em Alagoas.
Foram avaliados os prejuízos evitados em áreas residenciais, comerciais, industriais e na infraestrutura pública urbana, como estradas, rodovias, pavimentos e calçadas.
Após a apuração dos danos evitados nos quatro municípios, o estudo foi extrapolado para as demais cidades que contam com recifes de corais, considerando o tamanho, a infraestrutura urbana e a população de cada local.
Turismo
O estudo apurou que o turismo em regiões com recifes de corais na costa do Nordeste gera cerca de R$ 7 bilhões por ano em receitas, o que corresponde a cerca de 5% do PIB do turismo no Brasil. Cada quilômetro quadrado de recife de coral saudável é capaz de gerar R$ 62,7 milhões ao ano em receitas ligadas ao turismo de sol e praia, mergulho e snorkeling. No mundo todo, o turismo relacionado a esses ecossistemas movimenta cerca de US$ 36 bilhões por ano, o que representa quase 10% de toda a receita do turismo em áreas costeiras em nível global, de acordo com o estudo “Mapeando o Valor Global e a Distribuição do Turismo de Recifes de Coral”, publicado em 2019 no Journal Marine Policy.
As receitas geradas foram calculadas a partir de informações de mercado e análise das atividades de turismo nos cinco principais destinos turísticos ligados a recifes de corais no país: Fernando de Noronha e Ipojuca (Porto de Galinhas), em Pernambuco; Maragogi e São Miguel dos Milagres, em Alagoas; e Caravelas (Abrolhos), na Bahia. Os dados apurados também foram extrapolados nos demais municípios da região costeira do nordeste.
E nos outros países?
Os pesquisadores observaram que a receita do turismo nas localidades com recifes de corais do Brasil poderia ser ainda maior, quando comparado a países como Egito e Indonésia.
“É muito importante realçar que o fomento ao turismo responsável pode ser um grande aliado da conservação da natureza. Modelos como o turismo de base comunitária e outras formas sustentáveis de visitação podem engajar a comunidade local em torno da conservação e ajudar a manter a contribuição dos recifes de corais para a população local”, observa a bióloga Janaína Bumbeer, gerente de projetos da Fundação Grupo Boticário.
“Devemos perceber que recifes de corais vivos e saudáveis geram valores econômicos muito maiores para os municípios do que receitas geradas pelo turismo predatório”, completa.
O estudo indica que o valor relativo à proteção costeira fornecida pelos recifes de corais no Brasil é mais elevado que o de outros países do mundo, por representar um retrato atual das áreas vulneráveis, enquanto os demais levantamentos existentes representam estimativas anuais e incluem a frequência de eventos climáticos extremos.
“Isso reforça a importância de dados de monitoramento ambiental para obtermos estimativas robustas dos serviços ecossistêmicos frente às mudanças climáticas. Além disso, a área coberta pelo estudo brasileiro é vasta e engloba grandes cidades, o que reforça a importância do serviço de proteção costeira realizado por esses ecossistemas em nosso país”, diz Janaína.
Condomínios de biodiversidade
Os recifes de corais são considerados os ecossistemas mais diversos da terra. Estima-se que uma a cada quatro espécies marinhas vive ou passa parte da vida nos recifes e neles são encontrados 65% dos peixes do mar.
Esses ecossistemas são verdadeiros condomínios subaquáticos, onde moram diversas espécies, além de servir de alimento e abrigo para outras que estão de passagem.
Também comparados a florestas subaquáticas, os recifes de corais são comunidades de animais e algas marinhas, formadas principalmente por espécies de corais, que se conectam por meio de um esqueleto de carbonato de cálcio.
De acordo com o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, a região nordeste do Brasil concentra os únicos ambientes de recifes de corais do Atlântico Sul, estendendo-se por cerca de 3.000 quilômetros ao longo da costa.
O Brasil possui 24 espécies de corais duros, algumas delas exclusivas do país. Parte desses ecossistemas são protegidos por 21 Unidades de Conservação marinha, administradas pelo governo federal, estados e municípios.
Principais ameaças
Os recifes de corais sofrem diversas pressões e ameaças, dentre elas as mudanças climáticas, a poluição dos mares, turismo desordenado, pesca predatória, especulação imobiliária, espécies invasoras, entre outros fatores. De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), até 90% dos recifes de coral podem ser perdidos até 2050.
Uma das principais ameaças é o branqueamento dos corais, processo causado pelo aquecimento e acidificação do oceano no qual o tecido desses organismos fica translúcido, revelando o esqueleto de carbonato de cálcio da espécie, causando a diminuição da capacidade reprodutiva, redução das taxas de crescimento e de calcificação, que pode provocar a morte dos corais.
Segundo projeções de um relatório especial do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), publicado em novembro de 2021, se o aumento da temperatura média do oceano não for contido, eventos globais de branqueamento em massa de corais, que atualmente ainda são esporádicos, devem ocorrer todos os anos a partir de 2045.
A Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES) alerta que os recifes de corais são um dos ecossistemas mais ameaçados do planeta. A entidade ressalta que a proteção é fundamental para a biodiversidade marinha e um aquecimento superior a 1,5 grau Celsius realmente pode representar o fim dos corais.
E o que fazer?
O estudo apresenta sugestões sobre o que o poder público, o setor econômico e outros tomadores de decisão podem fazer para a conservação. “O primeiro passo é reconhecer a importância dos recifes de corais para a sociedade e a economia do país. É necessário direcionar mais recursos e fomentar o estudo e monitoramento desses ecossistemas, além de implementar rapidamente estratégias que visem à conservação e o uso sustentável”, afirma Janaína.
A bióloga recomenda que os tomadores de decisão elaborem políticas públicas integradas de adaptação costeira frente às mudanças climáticas, priorizando as chamadas Soluções Baseadas na Natureza.
“O cidadão também tem papel central nessa transformação, cobrando medidas das empresas e dos governos e buscando se informar para mudar atitudes que favoreçam a proteção do oceano”, salienta.
Janaína ressalta ainda que o estudo demonstra que é mais eficiente e vantajoso economicamente a promoção da conservação dos recifes de corais do que ceder às pressões que podem afetar ainda mais esse ecossistema, como a especulação imobiliária e o turismo predatório.
Década do Oceano
A ONU declarou o período de 2021 a 2030 como a Década do Oceano, que tem como um dos principais objetivos, justamente, incentivar a geração de conhecimento para a sociedade.
“Tendo em vista o preocupante estado de conservação e a saúde do oceano, precisamos de ações urgentes para reverter esse quadro. Estudos de valoração podem contribuir na articulação de agendas internacionais e embasar investimentos públicos e privados para o desenvolvimento de uma economia azul”, afirma Christofoletti.
De acordo com o Banco Mundial esse conceito pressupõe “o uso sustentável dos recursos oceânicos para o crescimento econômico, a melhoria dos meios de subsistência e do emprego, preservando a saúde do ecossistema”.
Confira o estudo “Oceano Sem Mistérios – Desvendando os Recifes de Corais” neste link.
Sobre a Fundação Grupo Boticário
Com 33 anos de história, a Fundação Grupo Boticário é uma das principais fundações empresariais do Brasil que atuam para proteger a natureza brasileira.
A instituição atua para que a conservação da biodiversidade seja priorizada nos negócios e em políticas públicas e apoia ações que aproximem diferentes atores e mecanismos em busca de soluções para os principais desafios ambientais, sociais e econômicos.
Já apoiou cerca de 1.600 iniciativas em todos os biomas no país. Protege duas áreas de Mata Atlântica e Cerrado – os biomas mais ameaçados do Brasil –, somando 11 mil hectares, o equivalente a 70 Parques do Ibirapuera.
Com mais de 1,2 milhão de seguidores nas redes sociais, busca também aproximar a natureza do cotidiano das pessoas. A Fundação é fruto da inspiração de Miguel Krigsner, fundador de O Boticário e atual presidente do Conselho de Administração do Grupo Boticário.
A instituição foi criada em 1990, dois anos antes da Rio-92 ou Cúpula da Terra, evento que foi um marco para a conservação ambiental mundial.
Sobre a Rede de Especialistas em Conservação da Natureza
A Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) reúne cerca de 80 profissionais de todas as regiões do Brasil e alguns do exterior que trazem ao trabalho que desenvolvem a importância da conservação da natureza e da proteção da biodiversidade.
São juristas, urbanistas, biólogos, engenheiros, ambientalistas, cientistas, professores universitários – de referência nacional e internacional – que se voluntariaram para serem porta-vozes da natureza, dando entrevistas, trazendo novas perspectivas, gerando conteúdo e enriquecendo informações de reportagens das mais diversas editorias.
Criada em 2014, a Rede é uma iniciativa da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. Os pronunciamentos e artigos dos membros da Rede refletem exclusivamente a opinião dos respectivos autores.