Ser cientista, físico, geofísico… Ou ser um palhaço que ensina a arte da ciência? Eis a questão. Pode parecer difícil. Mas não para o professor George Sand França, do Departamento de Geofísica do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP. Quando o mestre coloca o seu nariz de bola vermelha, engrossa as sobrancelhas, pinta as bochechas, é o Dr. Terremoto com o seu riso aberto quem entra em ação. Faz crianças, estudantes, professores, gargalharem e viajarem na arte milenar da palhaçaria científica.
O professor com o seu conhecimento e o palhaço com a sua alegria… Quem começa a aula e o espetáculo? Certo é que os dois vêm atraindo a atenção de todos em apresentações nos diversos espaços da Universidade. “É uma forma lúdica de apresentar conhecimentos da ciência para um público amplo”, explica França, que lidera a formação de um grupo de pesquisa, experimentação e criação em divulgação científica sob a perspectiva da palhaçaria. “Por meio do riso, busca-se desconstruir conceitos equivocados, corrigir fake news e ensinar. O grupo de cientistas e palhaços do IAG, composto de professores, alunos e funcionários, vem difundindo os conhecimentos acadêmicos da ciência de maneira leve para a sociedade.”
Divulgar conhecimentos científicos com a arte da palhaçaria é uma ação inusitada, que vem despertando a formação de novos cientistas e de estudantes de todas as áreas. “No decorrer do ano passado, o concerto Cosmogonias Sonoras da Orquestra Sinfônica da USP [Osusp] contou com a participação do nosso grupo. Também estivemos presentes na Feira do Livro da USP em São Carlos, no evento Memória do Circo e no Observatório Abraão de Morais, em Valinhos. Foram experiências que consolidaram ainda mais nosso processo”, observa Franca.
“Na palhaçaria, a prática é essencial. É preciso fazer e continuar fazendo, pois é assim que nos preparamos para novas apresentações e desafios. O projeto conta especialmente com a colaboração voluntária de Pedro Caroca, o palhaço Seucoco e de Julia Bertoline, palhaça Catarina, que vêm contribuindo nas oficinas”, explica o professor.
“Brincar é a melhor parte da ciência”
O físico/geofísico e o palhaço se aliam na defesa da meta da arte da palhaçaria: “Brincar é a melhor parte da ciência”. Um desafio que inspira novos caminhos dos futuros cientistas, artistas… “A ideia é resgatar a imaginação do brincar, essas primeiras ações da nossa vida em que a preocupação não existe, o erro é parte do aprendizado e não motivo de culpa. Somos julgados há muito tempo e levamos isso a sério demais, seja pela nota de uma prova, seja pela revisão de um artigo”, ressalta França. “Minha proposta é despertar, em alunos de graduação e pós-graduação, assim como em professores do ensino médio e fundamental, a vivência do palhaço, tanto pelo brincar quanto pela transmissão de conhecimento. Estamos em processo de construção. Fazer isso com um grupo de pesquisadores, especialmente da área de exatas, é o nosso maior desafio.”
O estudante da USP Gustavo Gosling (Palhaço Esguicho) , Dr. Terremoto e o técnico de laboratório Giovanni Moreira (PalioDido) em apresentação na Feira do Livro da USP em São Carlos em 2024 – Foto: Instagram Palhaçaria Científica
O professor acredita que o projeto Palhaçaria Científica pode estimular a formação dos novos cientistas. “Creio que estamos formando excelentes pesquisadores, cientistas. Os programas de pós-graduação no Brasil são constantemente avaliados e têm produzido trabalhos de alta qualidade. No entanto, estamos formando muitos cientistas com pouca vivência social, que permanecem em seu mundo e para o seu mundo”, observa. “Essa interação com a sociedade é de suma importância, mas muitos não estão preparados para essa integração. Por isso, é necessário promover mais atividades que envolvam a sociedade, tanto no ensino quanto na administração.”
Outra meta relevante, segundo o professor, é a ciência na arte-educação. “Sou de uma geração que não teve essa vivência na escola, e a arte, especialmente o teatro, era cercada de preconceitos. Nas áreas de exatas, por exemplo, qualquer envolvimento com arte ou ensino era frequentemente descartado. Na maioria das vezes, não se reconhecia a sua importância. Já imaginou uma exposição de arte no seu departamento, um show musical ou uma peça de teatro em horários variados? Isso seria extremamente valioso para a formação de pesquisadores”, pontua. “A arte estimula a imaginação, faz pensar, fomenta o questionamento – exatamente o que a ciência também faz, mas com o objetivo de buscar as respostas da forma mais precisa possível.”
O técnico Giovanni Moreira, do Laboratório de Paleomagnetismo do IAG, decidiu participar da palhaçaria depois de ver o professor França em uma apresentação de fim de ano no instituto. “Foi uma experiência desafiadora, reveladora e acima de tudo divertida. Essa abordagem deixa os conhecimentos das ciências mais interessantes e divertidos e ajuda os cientistas a se comunicarem melhor”, destaca Moreira, que passou a se chamar Palhaço PalioDido. Ele fez parte das apresentações com a Orquestra Sinfônica da USP (Osusp) e da Festa do Livro no campus de São Carlos, entre outras.
Quem também se juntou ao Dr. Terremoto nas apresentações foi o estudante de graduação do IAG Gustavo Gosling. “Foi, é, e sempre será um prazer estar nesses momentos brincando com vocês”, disse nas redes sociais em uma das fotos de apresentação.
Doutor Terremoto no horizonte potiguar
O que levou o físico/geofísico a ser o Dr. Terremoto tem uma explicação precisa? “Eu nasci em Natal , Rio Grande do Norte, em 12 de outubro de 1971, no Dia da Criança. Gostava de esportes e teatro, mas também era bom aluno em Ciências Exatas. Fiquei na dúvida entre cursar física, artes cênicas, educação física. Acabei entrando no curso de Física em 1992, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Depois de me graduar em Física, pesquisei sismologia no mestrado em Geodinâmica e Geofísica da UFRN. Em 1999, ingressei no doutorado do IAG sob orientação do professor Marcelo Assumpção. Em 2001, quando tive um ano relativamente tranquilo no doutorado, participei de uma oficina no Teatro da USP, ministrada pelos atores Edgar Castro e Georgette Fadel, dois mestres que marcaram minha trajetória. No mesmo período, integrei o Grupo de Teatro Movimento, de São Paulo, onde atuei em três espetáculos ao longo de dois anos na companhia.”
Os caminhos da ciência sempre aliados à arte resultaram no nascimento do primeiro palhaço. “Em 2015, voltei a fazer teatro. No ano seguinte, cursei outra oficina de palhaçaria, dessa vez com o ator e diretor José Regino, que considero meu grande mestre. Foi ali que, de fato, me apaixonei pelo ofício e assim nasceu meu primeiro palhaço.”
O Dr. Terremoto saiu do horizonte potiguar em 2019 durante um congresso, o European Geosciences Union (EGU) em Viena, na Áustria, quando o professor se apresentou caracterizado de palhaço em um bloco específico com artistas e cientistas. ”Estou acostumado a expor meus trabalhos em eventos internacionais, mas esse foi, sem dúvida, o de maior impacto em minha vida, com a maior atenção e plateia que já tive.” Essa história foi contada na revista Pesquisa Fapesp neste link.
Oficina de palhaçaria
O projeto Palhaçaria Científica está com as inscrições abertas para a II Oficina de Palhaçaria Científica. As inscrições podem ser feitas até o dia 2 de março, pelo Sistema Apolo neste link. A confirmação de participação será por ordem de inscrição e pagamento da taxa de R$ 50,00.
Seu objetivo é proporcionar aos participantes uma abordagem criativa e lúdica para explorar e comunicar conceitos científicos de maneira acessível e envolvente. O projeto pretende capacitar os participantes a transmitirem sua paixão pela ciência de uma forma única, gerando uma conexão mais profunda e significativa com o público, independentemente de sua formação acadêmica. A programação inclui: Introdução à Palhaçaria, Expressão Corporal e Facial, Simplificação de Conceitos Científicos, Improvisação Científica, Elaboração de Performances Científicas, Comunicação com o Público.
“Vamos brincar e nos divertir com uma abordagem criativa e lúdica para comunicar conhecimentos científicos para públicos diversos? Não precisa ter experiência. E todos podem participar: alunos de graduação e pós-graduação de qualquer área de conhecimento, professores, servidores e comunidade externa”, convida o professor França.
A Oficina de Palhaçaria Científica será presencial e ocorrerá às quintas-feiras, das 19h às 22h, e aos sábados, das 9h às 13h. No dia 10/04/2025, às 12h, haverá a apresentação aberta ao público da oficina chamada Cabaret Científico.
Fonte: Jornal da USP