Por: André Julião | Agência FAPESP
Antes da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) atrair os holofotes do mundo todo em novembro, em Belém, um evento previsto para junho pode dar os rumos para as negociações que serão realizadas na capital paraense. A Conferência dos Oceanos, em Nice, na França, vai discutir as relações entre os oceanos e as mudanças climáticas globais.
“Será um lugar onde a discussão pode ocorrer, em que poderemos incorporar vários princípios de diferentes convenções de forma que trabalhem de forma unificada, em vez de isoladamente”, apontou David Obura, chairman da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), durante a Conferência FAPESP “Contribuições para a COP30: Nexo Oceano, Biodiversidade e Clima”, ocorrida em 25 de abril na sede da Fundação.
No comando da IPBES desde setembro de 2023, “um irmão mais novo do IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU]”, como ele mesmo define, Obura é fundador da Cordio East Africa, organização com sede no Quênia focada na conservação dos corais.
Embora tenha realizado a maioria dos seus estudos na costa leste da África, Obura acredita que as preocupações dos países africanos banhados pelo oceano Índico sejam bastante similares às existentes no Brasil. “Elas giram em torno da interação das pessoas com a natureza e de como provemos sustentabilidade e serviços ecossistêmicos”, disse.
Segundo o pesquisador, uma vitória importante para incluir os oceanos nas discussões climáticas de forma mais proeminente se deu durante a COP26, ocorrida em 2021 em Glasgow, na Escócia. Foi a primeira COP da qual ele participou, ainda como parte da delegação queniana.
“Conseguimos acordos de todos os países para incluir os oceanos nas discussões da COP, mas não como um fluxo de trabalho separado, porque os países já têm de lidar com vários fluxos de negociação, mas realmente para entender como os oceanos se conectam com todas as partes da negociação climática, o que é muito apropriado”, contou.
Obura lembrou que as mudanças climáticas estão entre os maiores causadores do declínio da biodiversidade em todo o mundo, assim como é cada vez mais evidente a importância da natureza para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas.
“Se a capacidade da natureza de prover esses serviços for prejudicada, perdem-se também esses serviços. Por isso, é importantíssimo realmente entender quais são os limites da natureza”, afirmou.
Ponto de não retorno
O chairman da IPBES explicou o funcionamento da plataforma, criada em 2012, que vem trazendo importantes contribuições tanto no diagnóstico do estado da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos no mundo quanto em termos de propostas de soluções. Os relatórios mais recentes foram lançados em dezembro de 2024.
No caso dos corais, sua especialidade, Obura lembra que eles funcionam como espécies-bandeira para a conservação dos oceanos, uma vez que o público pode compreender melhor o risco que correm, ainda que apenas assistindo vídeos e vendo fotos, em comparação com outros temas oceânicos.
“É um ecossistema submerso. Você pode apenas ir e ver debaixo d’água, mergulhando ou apenas olhando pelo fundo de uma garrafa. Há muito poder na mensagem dos recifes de corais”, afirmou.
Para Obura, corais são um elemento socioecológico para explicar os chamados pontos de não retorno, mudanças tão drásticas no ambiente que precisam ser contidas antes que se tornem irreversíveis.
“Nosso desafio como cientistas é comunicar aos tomadores de decisão e ao público a importância desse sistema, com interações complexas altamente relevantes para as pessoas e que podem mudar para sempre, em breve, ou mesmo que já passaram do ponto de não retorno”, disse.
O pesquisador lembrou que o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, em seu relatório de 2023, apontou um aumento de 1,5 °C a 2 °C na temperatura global como um intervalo crítico de aquecimento, que pode levar à perda de 70% a 90% dos corais. A devastação pode chegar a 99%, caso se chegue aos 2 °C.
“Precisamos de decisões neste ano em relação a isso, não daqui a dez anos”, alertou.
No debate que sucedeu a palestra, o físico Paulo Artaxo lembrou que, no ritmo atual, projeta-se um aquecimento de 4 °C a 4,5 °C para o fim do século.
“A população ainda não acordou para esse fato”, afirmou.
O debate contou ainda com a participação de Beatrice Padovani Ferreira, professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e Regina Rodrigues, professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com mediação de Sabine Righetti, assessora da Coordenadoria Geral – Mídia Ciência da FAPESP. A abertura foi do diretor científico da Fundação, Marcio de Castro.
O evento pode ser assistido na íntegra em: fapesp.br/17506/contribuicoes-para-a-cop30-nexo-oceano-biodiversidade-e-clima.