Os grupos organizados que defendem os seus clubes do coração atuam de forma ampla, tanto dentro quanto fora dos estádios. Nas últimas eleições, por exemplo, algumas torcidas foram a campo muito além dos jogos de futebol. Unidos e falando a linguagem da “massa”, algumas torcidas organizadas mostraram toda força de quem nasceu na confluência da luta pela contra a elitização dos estádios de futebol, do esporte e do torcedor como mercadorias.
Durante os bloqueios nas estradas, promovidos por grupos bolsonaristas de caminhoneiros, as torcidas organizadas do Atlético Mineiro e do Corinthians acabaram por fazer o papel das forças de segurança ao garantir o direito de ir e vir, evitando o caos no país.
Apesar do histórico apelo pela unidade identitária representada pelo time do coração, suas cores e escudo, futebol e política sempre coexistiram. O ambiente de polarização política e a escalada de atos antidemocráticos foi o combustível para o surgimento da boa nova em termos de organização de massas, o mais próximo possível do que se conhece por movimento social, as torcidas antifascistas.
Das arquibancadas para as ruas. Um movimento de massas na defesa da democracia
Para o diretor regional da Associação Nacional das Torcidas Organizadas – ANATORG e co-fundador do Movimento Avaianos de Esquerda – José Carlos Junior, o popular Juninho, as torcidas organizadas surgiram durante o período militar com o objetivo de lutar contra o regime autoritário e a ditadura. “O Movimento de Torcidas Organizadas é o terceiro maior movimento social existente no Brasil e hoje conta com mais de 4 milhões de integrantes espalhados por mais de 700 torcidas oficiais de clubes brasileiros”, salienta o diretor da Anatorg. Ele explica que o Movimento de Torcidas Organizadas sempre foi marginalizado e, por esse motivo, o engajamento e o envolvimento em causas relevantes extracampo se faz tão necessário. “Queremos ser ouvidos e respeitados, porque somos um movimento legítimo e participativo, com voz e engajamento social. E, nada mais justo do que se posicionar, para criar uma relação mais próxima com as demandas, ajudando a criar projetos e leis para as torcidas e desenvolvendo lideranças junto à sociedade”, ressalta.
“As articulações dos movimentos antifascistas de arquibancada é embrionário, mas possui potencial imensurável” (José Carlos Junior)
Juninho dirige a ANARTOG em Santa Catarina. (Reprodução)
Avaianos de Esquerda desafiam hegemonia conservadora no futebol
A identificação com as causas da esquerda vem da luta institucional contra uma antiga segregação entre os próprios torcedores que acabam distinguidos pelos clubes entre membros das sociais, das torcidas organizadas e a conhecida geral. O protagonismo das torcidas organizadas reflete a luta contra essa segregação que reproduz nas dependências dos estádios e na qualidade da participação nas deliberações clubísticas a divisão da sociedade em classes sociais. A defesa dos direitos do torcedor abre caminho à atuação social e política das torcidas.
Para o sociólogo e integrante dos Avaianos de Esquerda, Fernando Torquato, o movimento vem para disputar um importante espaço. “Da mesma forma que o Avaí, o Figueirense, Criciúma, Chapecoense e demais torcidas do estado e do país podem se integrar a movimentos e promover ações conjuntas, rompendo preconceitos e ultrapassando os muros de estádios de futebol”, enfatiza. Torquato sublinha, ainda, uma semelhança única no perfil das torcidas de Florianópolis, seja em relação ao perfil socioeconômico, seja em relação ao número de associados. “É o local do país onde as torcidas mais se assemelham”, declara.
Já o integrante da Torcida Organizada Gaviões Alvinegros – TOGA, do Figueirense, membro da ANATORG, Artur Velter Medeiros, o movimento dos torcedores antifascistas é frente de resistência e enfrentamento ao crescimento da extrema direita, sua ideologia nazifascista e a volta da ditadura militar no Brasil. “Nos movimentamos como uma frente democrática para combater a volta de uma prática absurda que foi o nazismo e a ditadura. Não aceitamos a falta de respeito à democracia”, diz. Ele explica que ditado popular ‘política e futebol não se misturam’ está ultrapassado e que o trabalho em nível nacional dentro das Instituições das torcidas organizadas busca criar a consciência de classe, a defesa de direitos e respeito entre as pessoas. “Reivindicamos atenção ao futebol, à torcida”, destaca.
Antifa sim, respeitando as diferenças
Ao contrário do que muitas vezes setores da mídia, os clubes e principalmente o Estado fazem crer, existe um trabalho permanente de conscientização e respeito pelas diferenças entre as torcidas organizadas, destacam seus membros mais engajados. “Respeitamos a neutralidade e a livre escolha de cada um, da mesma forma que convivemos tranquilamente com posicionamentos e questões diversas. É para isso que serve a democracia, para ouvir as opiniões contrárias e diversificadas da sociedade”, ressalta o membro da TOGA.
Ultrapassando rivalidades esportivas, as torcidas organizadas têm atuado em conjunto em diversas frentes de lutas contra o racismo, a homofobia, na defesa dos direitos e participação das mulheres, na defesa do meio ambiente e nas diversas campanhas de cunho humanitário em bairros da periferia.
Além de deixar os jogos de futebol ainda mais vibrantes, coloridos e sonoros, as torcidas organizadas vem reescrevendo suas histórias e conquistando um papel cada vez mais relevante na construção de uma sociedade mais justa, dentro e fora dos estádios. E podem ser a boa nova na defesa da democracia.