Um grupo de cineastas militantes de esquerda decide invadir a fazenda do tio de um dos membros do grupo — um dos maiores empresários da carne do País — para realizar uma ação político-artística e denunciar crimes cometidos no campo. Durante a ação, porém, o grupo é capturado por um jagunço, que parece não pertencer à realidade de seu tempo. Os jovens, então, criam dois filmes, que, narrados sob pontos de vista diferentes, discutem a arte engajada e suas ferramentas de confronto à cultura da elite do agronegócio no Brasil.
Teatro da USP
Esse é o enredo principal de Magma-Jagunço, em cartaz na sala do Teatro da USP (Tusp) no Centro MariAntonia da USP, em temporada gratuita até o dia 23 de fevereiro. “Hoje temos jagunços espalhados pela cidade inteira. Temos quase um jagunço a cada esquina”, afirma o dramaturgo Clayton Mariano, diretor da peça. Ao refletir sobre as novas formas de ‘jagunçagem’ presentes na sociedade brasileira do século 21, Mariano reúne no palco o passado das elites coronelistas e o presente da ascensão da extrema direita no Brasil. Realizada pelo grupo Tablado_SP, a peça tem sessões de quinta-feira a sábado, às 20 horas, e aos domingos, às 18 horas.

Clayton Mariano, diretor de Magma-Jagunço – Arquivo pessoal
Histórico e contemporâneo, o jagunço
A ideia da narrativa surgiu a partir de uma live feita há cerca de dois anos pelo filósofo Paulo Arantes, professor do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.
“Na transmissão ele citou o sociólogo Gabriel Feltran, que relaciona o avanço do extremismo de direita a um novo tipo de jagunçagem. Para ele, a violência direta, que é a base do jagunço, forma uma atual aliança com fé e messianismo religioso”, explica o diretor.
Conforme as percepções dos dois estudiosos, Mariano aponta o novo jagunço como uma figura que se impõe à força para garantir a ordem e a manutenção do poder — a exemplo de pastores neopentecostais, pequenos proprietários, policiais e milicianos.

Na peça, cineastas militantes se rebelam contra a elite agropecuária – Foto: Larissa Moraes/Tusp
A fim de se aprofundar na temática da peça, o diretor entrou em contato com os estudos do economista Marcio Pochmann, que discorre sobre os ciclos da jagunçagem, e do jornalista Bruno Paes Manso, autor do livro A Fé e o Fuzil: Crime e Religião no Brasil do século XXI (Todavia, 2023).
Enquanto buscava pelas tendências que atravessam o atual cenário político do País, Mariano também resgatou as origens históricas do jagunço como tradicional símbolo sertanejo da literatura e do cinema nacional.
“Ele é uma personagem emblemática no sertão do Brasil profundo retratado nas obras de Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, Euclides da Cunha e, especialmente, nos filmes de Glauber Rocha”, destaca.
Sobre a relação entre passado e contemporaneidade na peça, ele complementa: “O ponto de convergência do enredo é a relação entre o jagunço histórico e as novas representações dessa figura”.
Impulsionado pelas pesquisas e referências culturais, Mariano propõe Magma-Jagunço com o objetivo de levantar reflexões e questionamentos ao público.
“A peça foi construída no sentido de entender de que forma nós produzimos, como sociedade, a ascensão da extrema direita e como o fenômeno da jagunçagem foi fabricado no Brasil”, comenta.
Entre cinema e teatro

Os dois atos da peça são retratados por meio de filmagens ao vivo – Foto: Larissa Moraes/Tusp
Com 120 minutos de duração, a peça é dividida em dois atos, Jagunço e Magma, que são representados pelos dois filmes criados pelos cineastas protagonistas da obra. Jagunço, o primeiro ato, é contado sob a ótica dos militantes de esquerda, enquanto Magma, o segundo ato, é como um remake de Jagunço, mas relatado pelo olhar da elite do agronegócio. Embora as filmagens apresentem posicionamentos e linguagens diferentes, suas narrativas se conectam ao final. “A união das linguagens cinematográfica e audiovisual traz uma poesia especial ao palco”, enfatiza o dramaturgo.
O diretor ainda destaca a tentativa de resistência dos protagonistas diante da hegemonia cultural financiada pelo setor agropecuário no Brasil. “Os cineastas da peça acabam reféns do agronegócio, assim como muitos dos que têm uma posição crítica a essa cultura atualmente. Por mais que tentemos fugir desse sistema dominante, nós mesmos o fabricamos. A origem histórica do agronegócio é a própria origem do Brasil”, reitera.
A peça Magma-Jagunço, do grupo Tablado_SP, fica em cartaz no Teatro da USP até 23 de fevereiro, de quinta-feira a sábado, às 20 horas, e aos domingos, às 18 horas, na sala do Teatro da USP (Tusp) localizada no Centro MariAntonia da USP (Rua Maria Antônia, 294, na Vila Buarque, região central de São Paulo, próximo às estações Higienópolis-Mackenzie e Santa Cecília do metrô). Entrada grátis. Os ingressos podem ser retirados na bilheteria uma hora antes de cada sessão. Mais informações estão disponíveis no site do Tusp.
Fonte: Jornal da USP