A edição do Plano Safra 2023-2024 destinou cerca de R$ 360 bilhões ao financiamento da agricultura empresarial no Brasil. Os recursos anunciados para os pequenos produtores totalizam R$ 77,7 bilhões. Na edição 2024/2025, o valor destinado ao agroempresarial aumentou em aproximadamente 10%, totalizando R$ 400,59 bilhões. Os valores destinados ao programa focado no agroempresarial são os maiores da história do País. A edição do plano em 2024 completa uma escalada recente dos investimentos públicos no setor: R$ 340 bilhões em 2022, R$ 360 bilhões em 2023 e, finalmente, R$ 400 bilhões em 2024.
Os valores relacionados aos produtores menores são menos vistosos: R$ 189 bilhões serão com taxas controladas, direcionados para o Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural (Pronamp). Já o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), será contemplado com R$ 14,8 bilhões. O recurso substancialmente menor destinado aos pequenos produtores é distribuído entre os quase 4 milhões de estabelecimentos agrícolas classificados como agricultura familiar, de acordo com o Censo agropecuário de 2017, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Plano Safra e o auxílio ao produtor
Os pequenos estabelecimentos representam 77% dos produtores agropecuários e são responsáveis por gerar renda para 70% dos brasileiros no campo. Para o economista André Chagas, os recursos públicos destinados aos pequenos produtores são insuficientes. “Com relação ao montante dedicado, evidentemente que sempre as necessidades são maiores do que a capacidade de recursos disponíveis. Isso acontece nas mais diversas áreas, então os recursos vão ser sempre aquém”, comenta.
O professor explica sobre o funcionamento do plano. “Basicamente, o Plano Safra é um conjunto de linhas de créditos subsidiadas pelo governo, linhas específicas para diferentes interesses. Podem ser políticas de investimento e aquisição de máquinas e equipamentos, podem ser crédito específico para comercialização, compra de insumos, sementes e coisas assim. Então, junto com isso vem também regras de comercialização específicas e políticas de seguros de safra que também são implementadas para proteger o produtor”, detalha.
O docente aponta que o Plano Safra é uma modernização na forma como o Estado entende a produção agrícola brasileira. “Era necessário entender que as realidades do agro são muito heterogêneas, e essa heterogeneidade se dá não apenas por cultura, mas também por questão regional. Existe heterogeneidade também no agronegócio de commodities, por exemplo, de grandes produções de grãos, soja, milho, trigo, algodão, mas a heterogeneidade é ainda maior para os pequenos produtores. O Plano Safra é uma política que pretende atender a todas essas demandas”, complementa.
Dificuldade de acesso
O especialista afirma ainda que há uma dificuldade em fazer com que esses recursos efetivamente cheguem no beneficiado. “Eu diria que o grande problema para atingir os pequenos produtores nem seja o montante que está sendo alocado, mas a capacidade de se chegar até esses produtores, que estão mais vulneráveis. Muitas vezes, o suporte financeiro nem é o mais importante. A assistência técnica e o treinamento, a capacidade de ensinar o pequeno produtor a lidar com a sua terra nas condições mais adaptadas àquele microclima pode ser tão ou mais importante do que o próprio crédito”, elucida.
Essa dificuldade do acesso aos recursos tem corroborado com uma queda de quase 10% na presença dos pequenos produtores em áreas agrícolas. Segundo o Censo do IBGE, a agricultura familiar foi de uma área de 32% em 2006 para uma área de apenas 23% em 2017. O professor Bruno Pissinato, mestre em Economia Aplicada pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da USP, explica as causas desse movimento. “São várias as causas. Uma delas: fazer com que as políticas públicas realmente cheguem até o agricultor familiar. Outro fator é o envelhecimento da população. Muitas vezes quem está no campo, até os dias de hoje, são pessoas de mais idade. Os filhos deles necessariamente acabam não ficando na terra e não continuando as atividades de agricultura familiar. Isso é chamado de fuga da roça. Os poucos agricultores que restaram no campo necessitam de uma política pública que seja mais capilarizada, que consiga chegar perto desse agricultor. É importante atentar aos níveis de escolarização desse profissional, em como está a escolaridade dentro desse núcleo rural. Se você tem um agricultor familiar de baixa escolaridade é complicado esperar que ele vá até o banco contrair crédito, várias vezes ele nem sabe que tem esse direito”, detalha.
Desigualdade no campo
A produção de pequeno porte no campo emprega a maior parte dos trabalhadores no setor, cerca de 70% do total. A atividade compõe a maior parte da renda de economias locais rurais, representando cerca de 40% da renda da população economicamente ativa em 90% dos municípios com até 20 mil habitantes, que correspondem a 68% do total dos municípios do País. No entanto, compõe apenas 23% do valor bruto das receitas geradas no campo como um todo. ”Um dos fatores que contribuem para isso é o que denominamos de margem de comercialização. O agricultor familiar, por não ter acesso direto ao mercado, que muitas vezes fica em centros urbanos distantes, e também por não ter uma capacidade melhor de processamento do seu produto ou até mesmo nível informacional de preço, ele acaba dependendo do preço que o atravessador paga. Então, vários pequenos produtores dependem apenas de um atravessador, que compra o produto e vai vender em grandes centros comerciais. Evidentemente que esse atravessador vai descontar seu lucro na margem paga ao pequeno agricultor”, esclarece Bruno Pissinato.
Essa distribuição da renda se reflete também no nível de maquinário utilizado na produção. Com menos margem de lucro, os produtores menores têm menos capital para reinvestir em tecnologia na sua propriedade e capacitação profissional. Segundo o Atlas Rural brasileiro, a taxa de mecanização no Centro-Oeste, onde predominam as grandes propriedades, é de 40%. Enquanto no Nordeste, região com maior presença de pequenas propriedades rurais, apenas 3% têm acesso a essa tecnologia. “Se houver um melhor amparo ao maior número de pequenos produtores, quanto à tecnologia via mecanização ou fertilizantes, isso vai aumentar a produtividade e vai aumentar a oferta de bens. O consumidor brasileiro ganha em dois aspectos: primeiro, diversidade na mesa. Segundo, os preços vão ter uma tendência de queda. Os dois são impactos ao consumidor. E, lógico, o produtor de pequeno porte vai ter melhores condições de vida”, finaliza Pissinato.
Fonte: Jornal da USP