por Murilo Gitel | Agência Econordeste
A parceria entre os setores público, privado e acadêmico têm contribuído para que o Ceará esteja na vanguarda nacional quando o assunto é hidrogênio renovável – considerado por inúmeros especialistas como o “combustível do futuro”. Um dos primeiros passos nesse sentido foi o lançamento, há cerca de três anos, do Hub de Hidrogênio Verde do Ceará, no Complexo de Pecém, uma iniciativa do Governo do Estado em parceria com a Universidade Federal do Ceará (UFC) e a Federação das Indústrias do Ceará (Fiec).
O hub tem como principal objetivo reduzir a emissão de gases poluentes com novos investimentos e ampliar as oportunidades de negócios com a geração de empregos em todo o Estado e, assim, impulsionar a economia do Ceará. A produção de hidrogênio renovável no Porto do Pecém tem uma capacidade instalada projetada de 6 gigawatts até 2034.
Hidrogênio Verde a partir de efluentes industriais
Paralelamente ao hub, tem se formado um ecossistema para a pesquisa e o desenvolvimento de tecnologias voltadas a essa cadeia produtiva. Um dos projetos, de autoria de pesquisadores da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e Universidade Federal do Ceará (UFC) e Universidade de Fortaleza (Unifor), prevê a implantação de um sistema de “produção distribuída de hidrogênio verde”, a partir de efluentes da indústria. A ideia é que o processo seja complementar ao de grande escala.
“Ao contrário de outras pesquisas, o foco é o mercado interno, pensando na cadeia produtiva do H2V, e buscando promover, não somente a atuação de grandes, mas também de pequenas empresas no Estado”, explica Mona Lisa Moura de Oliveira, coordenadora do Laboratório de Conversão Energética e Inovação da Uece e do referido projeto fomentado pela Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap), em parceria com empresas da região, que se encontra em fase de finalização.
Eletrocoagulação e dessalinização
A utilização de efluentes tratados para produzir hidrogênio também é objeto de estudo de Paulo Henrique Pereira Silva e André Gadelha de Oliveira, pesquisadores da Universidade de Fortaleza. O trabalho propõe soluções para duas problemáticas: a disponibilidade de água no Estado para a indústria de H2V e o desafio de universalizar o acesso aos serviços de esgotamento sanitário.
“A pesquisa propõe realizar o tratamento de água pela técnica de eletrocoagulação, que transforma o esgoto em água potável e ao mesmo obtém hidrogênio verde como um subproduto do processo. Esse hidrogênio tem potencial para ser comercializado e tornar a operação atrativa financeiramente”, explica Paulo Henrique.
Como a produção demanda um fornecimento contínuo de água, o especialista defende que o recurso seja proveniente da dessalinização da água do mar ou do tratamento da água de reuso, não concorrendo, assim, com o consumo humano.
Paulo Henrique Pereira Silva
Pesquisador da Universidade de Fortaleza
“Nesse projeto de produção de hidrogênio verde via tratamento de efluentes, os próximos passos devem ser a construção do protótipo para validação dos resultados teóricos e depois encampar, com parcerias, um projeto em escala real evidenciando sua viabilidade tecnológica e financeira”, projeta Paulo Henrique.
Hidrogênio da biomassa
Além do hidrogênio verde, obtido principalmente por meio das fontes eólica e solar, pela eletrólise, o Ceará também pode se destacar no campo da biomassa, área estudada por Mona Lisa desde 2009. “Especificamente trata-se da produção de hidrogênio a partir de processos termoquímicos de resíduos como a casca de coco, reforma de glicerol oriundo da produção do biodiesel, produção de bio-hidrogênio (a partir da fermentação escura), e assim por diante”, explica a pesquisadora.
Ela observa que há diferentes formas ou rotas de produção de hidrogênio, que são comumente associadas a cores, em síntese:
1) Hidrogênio Marrom ou Preto: utiliza o carvão mineral para a produção do hidrogênio
2) Hidrogênio Cinza: utiliza o gás natural (metano) para a produção do hidrogênio por reforma a vapor
3) Hidrogênio Azul: também utiliza gás natural como matéria-prima, porém, ao contrário da Rota Cinza, agrega tecnologias de captura, utilização e armazenamento de carbono (CCUS)
4) Hidrogênio Verde: produzido por meio da eletrólise da água que usa fonte renovável de energia (eólica ou solar, por exemplo), não havendo dependência de carbono e fontes fósseis em seu processo
5) Musgo produzido por Biomassa: de modo geral, ele pode ser classificado como uma fonte de energia verde e limpa, mas difere do hidrogênio verde por ser obtido a partir de fontes específicas que podem gerar dióxido de carbono (CO2) durante sua produção
Rede VERDES
Mona Lisa destaca que o Nordeste, em geral, possui papel estratégico quando o foco são as energias renováveis (eólica e solar). “O Ceará vem na vanguarda dessa trajetória, sendo pioneiro no estabelecimento do Hub do H2V e celebrando diversos Memorandos de Entendimento (MOUs) com diversos players mundialmente importantes. Obviamente tudo é um processo, não depende somente do Ceará, mas esperamos que o Estado não perca o ‘time das oportunidades’ no Cenário H2V.”
Mona Lisa Moura de Oliveira
Laboratório de Conversão Energética e Inovação da Uece
A Funcap, por meio das políticas de incentivos à inovação, vem ampliando nos últimos anos diversas ações no âmbito do fomento de pesquisas básicas e aplicadas em energias renováveis no Estado. Atualmente, o Ceará conta com uma Rede de Pesquisa e Inovação em Energias Renováveis (Rede VERDES), que está em seu primeiro ano de atuação. A Rede VERDES conta com 14 Instituições de Ciência e Tecnologia (ICT), 26 unidades de pesquisa, de 100 pesquisadores e diversas empresas apoiadoras.
Também vale ressaltar que a Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec) exerce um papel relevante nesse ecossistema, ao fomentar fóruns, debates e interações entre os setores (público e privado) e a academia no âmbito do hidrogênio verde.
Marco Legal
No dia 2 de agosto foi sancionado, no Complexo Industrial e Portuário do Pecém, no Ceará, o Projeto de Lei que institui o Marco Legal do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono. Apelidado de Lei do Hidrogênio Verde, o projeto propõe mais segurança jurídica para atração de investimentos, além de fomentar a transição energética nacional para uma economia de baixo carbono e oferecer incentivos (fiscais e financeiros) para estimular a produção de hidrogênio verde (H2V) no País. A política prevê a destinação de R$ 18 bilhões em incentivos fiscais, entre 2028 e 2031, para a produção de hidrogênio verde.
Novo projeto
O Conselho Estadual do Meio Ambiente (Coema) aprovou o projeto de geração de hidrogênio verde (H2V) da Qr Brasil durante a 318ª Reunião Ordinária, realizada em 1º de agosto, no auditório da Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace). A sessão foi presidida pelo secretário do Conselho e superintendente da Semace, Carlos Alberto Mendes. Esse é o terceiro aval concedido pelo Coema para os empreendimentos de H2V, sendo o segundo para a planta da Casa dos Ventos em março deste ano.
Depois da apresentação aos conselheiros do estudo de impacto ambiental, o projeto de energia renovável chamado “Projeto H2 Fraternité” obteve 24 votos favoráveis. O objetivo principal do empreendimento é a comercialização de hidrogênio verde, com foco no mercado nacional, com estimativa de uma produção anual de 42.783 toneladas de hidrogênio gasoso.
Hidrogênio verde
O hidrogênio verde (H2V) é um combustível universal e atualmente considerado o pilar da transformação energética mundial. Pode ser obtido por meio da quebra/separação das moléculas da água (H²O), por um processo químico alimentado por energias renováveis, chamado eletrólise. Após a aplicação dessa corrente elétrica contínua, as moléculas do hidrogênio e do oxigênio são separadas gerando o hidrogênio verde, que pode ser usado nas indústrias, nos transportes e no consumo doméstico. Ele pode ser armazenado em suas formas líquida ou gasosa e transportado para outras localidades.
Além do enorme potencial de exportação via Porto de Roterdã com destino aos para países europeus, existe também oportunidade de importação dessa fonte energética para países como China, Japão e Coréia do Sul que têm planos para a descarbonização da matriz energética.
Fiec Summit 2024
Nos dias 12 e 13 de agosto foi realizado, no Centro de Eventos do Ceará, em Fortaleza, o III Fiec Summit 2024, evento que reconhece projetos de pesquisa e trabalhos acadêmicos que propõem soluções inovadoras nas áreas de obtenção, armazenagem, transporte, distribuição, certificação e utilização do H2V. Os projetos mencionados nesta matéria foram premiados na edição de 2023.
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