Reconhecendo os benefícios e os riscos que o rápido avanço da IA apresenta diante de desafios globais complexos, os grupos Civil 20 (C20), Labor 20 (L20), Think 20 (T20) e Women 20 (W20) uniram-se para reforçar a importância de práticas responsáveis relacionadas à IA.
A “Declaração de São Luís” apresenta uma visão compartilhada e recomendações estratégicas para o futuro da IA no âmbito do G20. O documento recebeu o nome da cidade onde ocorreu a terceira reunião do Grupo de Trabalho de Economia Digital do G20 em junho. São Luís também foi o local do “AI Summit: Bridging Boundaries”, um evento do T20 organizado organizado por Data Privacy Brasil, CEWEB.br, CEBRI e Fundação Heinrich Böll, onde foi estabelecido o alicerce para a declaração.
Essa declaração representa um marco importante nas dinâmicas do G20 e na construção plural e multissetorial de políticas sobre um tema tão transversal. Os grupos de engajamento, cujo objetivo é trazer recomendações de políticas para a Trilha de Sherpas do G20, buscaram alinhar suas demandas e expectativas através de um processo genuinamente coletivo e colaborativo, construído ao longo de mais de seis meses.
O consenso alcançado entre grupos com interesses distintos nos pontos abordados na Declaração fortalece a legitimidade do documento, que foi entregue ao Grupo de Trabalho de Economia Digital durante sua reunião final em Maceió, com a expectativa que as recomendações influenciem a declaração final de líderes e as atividades na Cúpula do G20, em novembro.
Reconhecendo a necessidade de aprimoramento da cooperação internacional sobre o tema, a Declaração de São Luís também faz referência às iniciativas de governança da IA que vêm sendo desenvolvidas em fóruns globais como o próprio G20, G7 e as Nações Unidas (ONU).
“Destacamos este momento como uma oportunidade na governança global para iniciativas de cooperação internacional que visem reduzir a brecha digital entre países desenvolvidos e em desenvolvimento (…) e alinhar nossos esforços com essas iniciativas globais para promover uma governança ética e responsável da IA, além de incentivar os membros do G20 a avançarem e reforçarem a interoperabilidade entre os frameworks de governança da IA.”
Em relação à agenda da ONU, o documento dialoga especialmente com o trabalho do Órgão Consultivo de Alto Nível sobre Inteligência Artificial e o Pacto Digital Global (GDC). O GDC, bem como o relatório final abrangente do Órgão Consultivo – ambos publicados em setembro de 2024 – expressam a necessidade de aprimorar o monitoramento global dos riscos da IA e a participação de países em desenvolvimento na sua governança. Os documentos propõem a criação de um Painel Científico sobre o tema, proposta endossada na Declaração, que destaca a importância que esse painel se estabeleça num país do Sul Global.
Os principais pontos da declaração incluem trabalho decente, inclusão significativa e justiça climática e social, especialmente levando em conta as especificidades de diferentes jurisdições e grupos hipervulneráveis por meio de uma abordagem interseccional. Além disso, a declaração endossa a conciliação entre a abordagem baseada em risco e a baseada em direitos; e apela para que os desenvolvedores e implementadores de modelos de IA relatem publicamente as capacidades e limitações de modelos e sistemas avançados de IA.
“(…) aprimorar a transparência e a responsabilidade, promovendo a justiça e a confiança por meio de uma abordagem baseada em direitos (…) A divulgação de avaliações de risco aos direitos humanos e avaliações de impacto para aplicações de IA de alto risco deve ser obrigatória, juntamente com o fornecimento de acesso a dados para pesquisadores qualificados, auditorias externas, e essas avaliações devem estar sujeitas a um escrutínio público mais amplo.”
As recomendações foram baseadas na abordagem de justiça de dados, que visa combater ativamente a discriminação e reconhecer as assimetrias de poder em nível global, orientando o desenvolvimento de mecanismos de governança da IA que distribuam de forma equitativa os seus benefícios e riscos. De forma complementar, a declaração aponta para a abordagem interseccional como sendo o horizonte teórico-metodológico para lidar com o desenvolvimento e implementação de sistemas de IA, de modo que seja garantida a proteção de grupos vulneráveis, em especial meninas e mulheres que, cada vez mais, são vítimas de violências de gênero facilitadas por tecnologias.
Além disso, os grupos reconhecem a necessidade de uma posição colaborativa sobre governança de dados e conjuntos de dados representativos e enfatizam a necessidade de implementar políticas de uso de dados abertos que promovam a diversidade cultural e linguística, e capacitar os trabalhadores de hoje para se adaptarem a essas transformações sem comprometer o valor de seu trabalho, ampliando investimentos em iniciativas educacionais integradas ao trabalho, como programas de capacitação.
“Recomendamos a incorporação de dados públicos gerados por cidadãos, para garantir que as diretrizes políticas sejam informadas e conectadas aos níveis mais locais das comunidades, que muitas vezes são invisíveis ao Estado – isso pode ser feito até mesmo por meio de uma abordagem de ‘espaços de dados’, dentro de uma estratégia de economia de dados que esteja alinhada com as demandas da sociedade e promova a interoperabilidade. Além disso, reconhecemos que essas políticas devem incentivar o compartilhamento equitativo de dados, com mecanismos adequados de repartição de benefícios, protegendo a privacidade e garantindo a segurança dos dados de maneira legal, transparente e responsável, evitando também a captura por interesses privados.”
A declaração faz uma importante conexão entre a governança global e demandas locais, particularmente trazendo uma agenda do Sul Global. Assim, os quatro grupos de engajamento responsáveis pelas recomendações – C20, L20, T20 e W20 – esperam que sejam consideradas pelos representantes governamentais do G20, especialmente levando em conta a próxima presidência sul-africana, que apresenta outra oportunidade para o Sul Global influenciar na agenda da IA.
Artigo de:
• Bruno Bioni – Fundador e Diretor Executivo da Data Privacy Brasil e lead co-chair da Força-Tarefa de Transformação Digital Inclusiva do T20
• Jaqueline Pigatto – Coordenadora na Data Privacy Brasil e deputy lead co-chair da Força-Tarefa de Transformação Digital Inclusiva do T20
• Louise Karczeski – Pesquisadora na Data Privacy Brasil e parte do secretariado da Força-Tarefa de Transformação Digital Inclusiva do T20
• Nathan Paschoalini – Pesquisador na Data Privacy Brasil e parte do secretariado da Força-Tarefa de Transformação Digital Inclusiva do T20
Texto completo da declaração conjunta já está disponível e pode ser acessado aqui