Para além dos piscinões, reservatórios que captam o excesso da água de chuva nos bairros, existem soluções urbanísticas multifuncionais e integradas ao meio ambiente que as cidades podem adotar para evitar os alagamentos que acontecem com bastante frequência na estação chuvosa (outubro a março), argumentam os arquitetos Felipe Guerra e Débora Ciociola, do Jaime Lerner Arquitetos Associados (JLAA).
“Os sistemas integrados de drenagem de água com jardins, canteiros de chuva, parques e lagoas artificiais são alguns exemplos para se resolver a questão do escoamento de chuva e, ao mesmo tempo, importantes para se entregar um equipamento de lazer para as pessoas”, explica Guerra.
A ampla funcionalidade das soluções verdes integradas foi comprovada em Curitiba, reforça Débora. No final de outubro, a capital paranaense foi castigada por fortes chuvas e o Parque Barigui (um dos cartões-postais da cidade) foi severamente atingido pela enchente.
As imagens do equipamento inundado pela água, um local bastante frequentado pela população, ganharam ampla repercussão nas redes sociais. Mas a enchente no parque era esperada, observa a arquiteta.
“O Barigui encheu muito porque a quantidade de chuva que caiu foi maior do que a prevista, mas ele foi feito para isso. Ele recebe a água da enchente, que depois vai embora. O parque pode até ficar alagado, mas as casas (do entorno) não ficaram.” (Débora Ciociola)
O sistema de drenagem do Barigui foi projetado para receber o excesso de água do rio de mesmo nome e evitar o fluxo para as áreas residenciais. Assim como o Barigui, outros parques curitibanos foram projetados em áreas estratégicas para receber o excedente de água das chuvas. Alguns dias depois da enchente, a arquiteta conta que foi ao parque e disse que o local estava praticamente “recuperado” e voltando a receber pessoas.
A solução curitibana está dentro do conceito de “cidade-esponja”, que consiste no uso de equipamentos verdes, como jardins e canteiros que cumprem a função de micro drenagem da água, e parques com lagoas para formar o ecossistema de macrodrenagem, que atuam como canalizadores da água excedente da chuva.
Todo o sistema é um mosaico verde, que atua com macro e micro drenagem integrados à paisagem, segundo Débora. “E a multifuncionalidade se reflete na melhora da saúde preventiva e qualidade de vida da população. Então, pensar em uma solução verde integrada cria resultados multifuncionais.”
Piscinões x infraestrutura verde
A multifuncionalidade trazida pela infraestrutura verde é a principal vantagem do sistema em relação aos piscinões, mas não a única, de acordo com Guerra. “A diferença entre um piscinão de concreto enterrado e um parque aberto para as pessoas é poder oferecer uma solução funcional que proporciona lazer e integração ambiental gastando muito menos. O investimento em um sistema de drenagem integrado é infinitamente menor”, afirma.
Novas infraestruturas verdes podem ser construídas em bairros prontos, acrescenta o arquiteto. “É possível aplicar essas estratégias urbanas mais verdes para reverter espaços sem essa cobertura. O exemplo do canal Cheonggyecheon (em Seul, capital da Coreia do Sul), onde a cidade trouxe o rio de volta, é um dos que podem ser seguidos”, indica.
Até 2003, esse córrego da capital sul-coreana estava aterrado e fazia parte da malha viária da cidade. Com o objetivo de modernizar e aumentar os espaços verdes da metrópole, a prefeitura recuperou o córrego usando estruturas para criar um habitat favorável à circulação de pessoas e espécies da fauna local (peixes, insetos e pássaros). De córrego poluído e aterrado a importante espaço cultural e de convivência de Seul (2005), o processo de transformação levou cerca de dois anos.
Para os arquitetos, os exemplos demonstram que as soluções verdes têm uma função que vai além do paisagismo. “Estamos falando de um “paisagismo funcional”, entre aspas. É muito mais do que fazer um jardim bonitinho, de trazer o verde por ser belo. Os projetos com base ambiental, como o da micro drenagem, funcionam para outras questões funcionais”, resume Guerra.
As soluções sustentáveis também devem estar vinculadas ao bioma local, complementa Débora. “Em um projeto verde integrado, pode-se incluir uma ou outra planta exótica, mas é importante que a flora seja do bioma local para ser resiliente e permitir que pássaros e outros animais coexistam e circulem melhor.”