O velho mantra dos workhaolics “trabalhe enquanto eles dormem” parece estar com os dias contados, inclusive no Brasil. O teste para a semana mais curta de trabalho chegou ao Brasil. O experimento, baseado na ideia de que menos é mais, é fruto de uma parceria com a 4 Day Week, organização sem fins lucrativos, que tem conduzido testes globais sobre a jornada de trabalho reduzida, e a brasileira Reconnect Happiness at Work. Deve começar em junho de 2023 e tem pela frente um sério desafio: lutar contra a descrença do brasileiro na ideia. Uma pesquisa feita pelo Instituto Ipsos mostrou que apenas 3 em cada 10 brasileiros acredita na proposta.
A lógica por trás da iniciativa está atrelada a um objetivo: comprovar que é possível obter os mesmos resultados em produtividade trabalhando menos horas, trabalhando com mais inteligência e criatividade. Assim, é um ganha-ganha dos dois lados. A empresa atrai e retém talentos; e a equipe, por sua vez, tem mais equilíbrio entre trabalho e vida pessoal. Outros países estão testando esse mesmo experimento e os resultados são bastante promissores.
As empresas mantiveram e, em alguns casos, até aumentaram o rendimento com um dia a menos. Além disso, após seis meses, o estresse e o esgotamento entre os profissionais diminuíram 71%. E a probabilidade de demissão declinou 57%.
Das empresas que participaram do estudo, 92% resolveram continuar com quatro dias de trabalho semanais depois do fim do piloto. Neste mês, essa mesma iniciativa chegou ao Brasil.
“ … as medidas de produtividade não mentem. Agora estamos entregando 20% mais horas de atendimento ao cliente do que quando trabalhávamos cinco dias por semana, e nossa equipe está tirando menos dias de folga, sentindo-se menos estressada e relatando maior felicidade no trabalho. ”
— Debbie Bailey, CEO, Momentum Mental Health, empregadora certificada pelo programa piloto de 2022 na Austrália
Recentemente, saiu o resultado do experimento da semana de 4 dias de trabalho no Reino Unido: reduziu o burnout, aumentou produtividade e aumentou a receita da empresa. O estudo foi feito no Reino Unido com 61 empresas e 2,9 mil funcionários. Até o momento, esse é o maior experimento já feito sobre a semana mais curta de trabalho (confira mais adiante sobre o início do programa).
O resultado da pesquisa feito pela organização sem fins lucrativos 4 Day Week Global, pelo instituto de pesquisa Autonomy e por pesquisadores do Boston College e das universidades de Cambridge e Oxford, mostrou:
- 40% das pessoas disseram que se sentiram menos estressadas
- 71% disseram que o nível de burnout diminuiu
- A receita aumentou 35% em média quando comparada com um período semelhante dos anos anteriores
Como vai funcionar o teste?
A partir de setembro, o Brasil terá um projeto piloto para analisar a possibilidade de reduzir a jornada para quatro dias úteis. O processo será conduzido pela instituição global 4 Day Week Global e o Boston College, que lideraram a iniciativa em outros países.
A Reconnect Happiness at Work, empresa brasileira especializada em felicidade corporativa, será parceira do projeto e as autoridades públicas brasileiras acompanharão a implementação. Empresas de todos os tamanhos e setores pode participar do programa a partir de uma inscrição no site.
Em junho e julho, a Reconnect vai oferecer sessões com informações sobre o piloto para as empresas interessadas, explicando a metodologia e as análises necessárias. A proposta do projeto prevê um esquema de 100-80-100. 100% de salário, 80% de tempo com 100% de produtividade. Ao longo do experimento, os participantes vão receber instruções e suporte para lidar com o redesenho da semana, gestão de tempo, métricas e mudanças na comunicação. Apesar de nas experiências anteriores ter melhorado o bem-estar dos profissionais, o grande foco do estudo é a produtividade. A expectativa positiva pode reorientar o mundo do trabalho que conhecemos hoje.
Mais produtividade, menos horas dedicadas ao trabalho.
Renata Rivetti, fundadora da Reconnect Happiness at Work, conta que o Brasil é preciso primeiro desmistificar o tema. Isso porque a produtividade ainda é encarada como sinônimo de horas trabalhadas.
“Muitas pessoas e empresas atualmente contam com excesso de reuniões, distrações e microgerenciamento. Há muita ‘perda de tempo’ no modelo atual. Estudos mostram que somos produtivos menos de 3h por dia”, aponta a executiva. Ela acrescenta: “O mundo mudou muito nos últimos 100 anos. Há muita tecnologia a nosso favor e podemos redesenhar a jornada de trabalho revendo novas formas de atuar, mais produtivas e mais saudáveis”.
Segundo Renata, nos países que já testaram, o ganho de produtividade veio de fatores como a revisão da quantidade e duração de reuniões, mudança na prioridade das atividades, criação de uma comunicação mais eficiente e transparente, automação de processos e outros.
“Muito importante entender que é uma construção conjunta e não um tema de uma só área específica. Os líderes precisam ser exemplo, mas é preciso que todos se envolvam. Só assim é possível manter a produtividade elevada com as mudanças. A responsabilidade é de todos”, reforça.
O que diz a legislação brasileira sobre a semana mais curta de trabalho?
“De acordo com a legislação, a regra é de que a jornada seja de 8 horas diárias e 44 horas semanais. Mas nada impede que seja menor do que isso. A legislação só impede o que for maior, menor não”, diz Lucas Camargo, advogado trabalhista sênior do Pinheiro Neto.
O mesmo vale para a jornada parcial — que surgiu com a reforma trabalhista de 2017 — em que a carga horária de trabalho é de até 30 horas semanais sem possibilidade de hora extra ou 26 horas semanais, com até 6 horas extras pagas.
Isso significa que para a jornada parcial, a empresa pode liberar a semana de quatro dias, mas o profissional, em hipótese alguma, pode ultrapassar o limite de horas previstas no contrato. “Não pode ter hora extra além do que o regime permite”, diz Camargo.