O município de São Francisco do Conde (38.733 habitantes), a 67km da capital baiana, Salvador, está sediando um experimento que pode colocar o Brasil na vanguarda da transição energética mundial.
O local, que já foi pioneiro por abrigar a primeira refinaria nacional de petróleo em 1950, a Refinaria Landulpho Alves, cujo novo nome é Mataripe, seria incorporada pela Petrobras entre 1953/2021, agora planeja produzir combustíveis renováveis, utilizando como matéria-prima a palmeira macaúba.
À frente do projeto está a empresa de energia Acelen, proprietária da Refinaria de Mataripe, adquirida da Petrobras em março de 2021 por US$ 1,65 bilhão, preço abaixo do valor de mercado, segundo fontes ligadas ao setor de óleo e gás. Atualmente, ela responde por 14% da capacidade total de refino do Brasil, é líder na comercialização de parafina na América Latina e é a maior exportadora da Bahia.
A Acelen pertence à Mubadala Investment Company (PJSC), um dos principais fundos soberanos de investimentos do Emirado de Abu Dhabi.
Na planta de Mataripe a Acelen pretende investirR$ 12 bilhões, com a previsão de gerar até 90 mil empregos (sendo 70% de forma perene) e movimentar R$ 85 bilhões na cadeia produtiva nos próximos 10 anos.
Diesel Verde
A Acelen plantará macaúba e dendê em 200 mil hectares – o equivalente a 180 mil campos de futebol – privilegiando, segundo a empresa, áreas degradadas no Recôncavo Baiano e pequenas propriedades de agricultores familiares.
A expectativa é produzir anualmente 1 bilhão de litros de diesel verde (HVO, em inglês) e combustível renovável de aviação (SAF, em inglês). Por ser biocombustível, o potencial para reduzir as emissões de CO² comparado aos combustíveis fósseis chega a até 80%.
Palmeira brasileira
“A macaúba é uma planta brasileira com alta produtividade de óleo por hectare, muito competitiva em relação a outras culturas, oferecendo maior eficiência no uso da água e nutrientes, apoiando a conservação e recuperação do bioma local”, diz Marcelo Cordaro, Vice-Presidente de Novos Negócios da Acelen.
“Seu cultivo será feito utilizando as melhores práticas agrícolas e ambientais, favorecendo a captura de carbono nas plantações, além da redução de emissão de CO da semente ao combustível”, completa o executivo da MulticanaPlus, Alewijn Broere, empresa especializada em pesquisa e desenvolvimento de protocolos de micropropagação vegetal e clonagem de plantas.
O objetivo é criar cópias geneticamente idênticas de plantas superiores, permitindo a reprodução fiel de características como resistência a estresses e alto potencial produtivo. Essa pesquisa é inédita no mundo. “A clonagem de mudas de palmeiras é um processo bastante complexo e detalhado. Já obtivemos sucesso com o protocolo de mudas de palmeiras de açaí”, explica Alewijn Broere.
Domesticação da macaúba
Em outra frente, a Acelen Renováveis firmou parceria com a Embrapii e a Embrapa para tocar um projeto de desenvolvimento tecnológico de domesticação da macaúba, com objetivo de implantar lavouras comerciais e melhorar o aproveitamento dos frutos (casca, polpa, endocarpo e amêndoa), via processos mais eficazes para extração de óleos de alta qualidade e geração de bioprodutos.
O projeto, que terá a duração de cinco anos, está amparado em dois acordos de cooperação técnica, cujos investimentos somam R$ 13,7 milhões.
A intenção da Acelen Renováveis é desenvolver o projeto em áreas semiáridas e viabilizar um cultivo agrícola eficiente na produção de óleo, sem tomar áreas de produção de alimentos. “A escolha da macaúba, uma planta de alta densidade energética e grande capacidade de sequestrar carbono, atende a essa perspectiva”, ressalta Victor Barra, diretor de Agronegócios da Acelen Renováveis.
“O que observamos na natureza é que a planta possui um primórdio floral para cada folha que ela emite e, em média, lança 15 folhas por ano. Ao menos doze delas deveriam virar cachos de frutos a serem colhidos. Mas o normal é vermos palmeiras com apenas 3 ou 4 cachos. Temos que entender muito bem a fisiologia da macaúba, para destravar esses bloqueios e viabilizar a alta produção de frutos e, consequentemente, de óleo por hectare que o projeto requer”, orienta.
A pesquisadora Simone Favaro, da Embrapa Agroenergia, que coordenará este projeto, lembra que a macaúba já vem sendo objeto de estudos, há algum tempo, pela Embrapa e outras organizações públicas de pesquisa, como a Universidade Federal de Viçosa, e alguns avanços importantes já foram alcançados. Segundo a pesquisadora, uma barreira importante, quando se pensa em plantios comerciais, era a produção de mudas, já que a taxa de germinação natural das sementes era baixíssima: apenas 5% das sementes. “Um protocolo da UFV resolveu isto e hoje se consegue germinar até 95% das sementes”, comemora Favaro.
Segundo ela, o desenvolvimento tecnológico do segmento industrial do projeto também apresenta grandes desafios, sendo o mais determinante deles a criação de processos mais inovadores para extração do óleo de polpa e de amêndoa, visando aumentar a taxa de extração dos óleos, mas também a sua qualidade.
“O óleo representa apenas de 10% a 20% do que a macaúba nos oferece. Os restantes 80% podem ser inúmeros coprodutos de alto valor agregado, como tortas de polpa e de amêndoa para produtos de alimentação e o endocarpo para geração de energia e biocarvões. Há um longo caminho pela frente. O desenvolvimento agroindustrial da macaúba está apenas no seu início”, finaliza.