Nas últimas semanas, grandes empresas de tecnologia (Big Techs) como a Amazon, Google, Apple, Microsoft e Meta iniciaram um movimento. Todas elas levaram ao governo Trump uma lista de preocupações sobre a regulação que avança no Brasil, alegando que novas regras podem sufocar investimentos e matar a inovação. De acordo com o professor e pesquisador Marcel Nobre, o discurso soa familiar e bastante frágil. “Não é a ausência de normas que garante inovação, mas a capacidade de adaptação a diferentes cenários. E essas mesmas companhias já provaram, na prática, que sabem se ajustar a ambientes regulatórios quando são obrigadas a fazê-lo”, afirma.
A União Europeia é um exemplo claro, no qual as big techs convivem com regras duras. A Apple foi forçada a padronizar seus carregadores, após anos de práticas voltadas apenas a fidelizar consumidores. Redes sociais foram proibidas para menores de 16 anos, diante de evidências científicas sobre os impactos na saúde mental. Plataformas tiveram de reforçar a proteção de dados dos usuários sob a GDPR. E, apesar da resistência inicial, todas continuam operando, lucrando e inovando. Ou seja, a inovação passou a obedecer a limites que protegem a sociedade.

Já no Brasil, a reação dessas empresas é diferente. Marcel explica que elas tentam impor o discurso de estarem inseridas em um mercado menos relevante, pressionando o governo americano para interceder contra medidas que consideram excessivas. “A contradição está no fato de que elas conseguem se adaptar às exigências europeias e, portanto, também podem se adaptar a regras brasileiras. No entanto, embora o Brasil seja um dos maiores mercados digitais do mundo, o país ainda sofre com instabilidade política e menor peso geopolítico, o que abre espaço para que essas companhias testem até onde podem pressionar”.
O Projeto de Lei 2628/2022, aprovado recentemente na Câmara dos Deputados, é responsável por criar mecanismos de proteção a crianças e adolescentes no ambiente digital. O texto obriga plataformas a barrar conteúdos impróprios e responsabiliza as empresas por negligência.
“Embora a Amazon, Microsoft, Meta, Apple e o Google dominem tecnologias sofisticadas o suficiente para treinar algoritmos capazes de identificar rostos, idades e situações de risco, a grande dificuldade não está no interesse. Investir em sistemas de moderação pode reduzir o tempo de tela e, portanto, afetar o faturamento dessas empresas“, analisa.
Por fim, Marcel ressalta que “o argumento de que regular significa inibir investimentos é, portanto, um mito. O que está em jogo é o equilíbrio entre o que é saudável para a sociedade e o que é rentável para as empresas. Diante disso, deveríamos aceitar que a lógica do lucro se sobreponha à saúde mental de adolescentes, à proteção de crianças ou mesmo à soberania nacional? Regular é proteger. As big techs sabem se adaptar quando precisam. Se o fazem na Europa, também podem fazê-lo no Brasil”, finaliza.