Por Mariana Gutiérrez, do WWF-Brasil
Após mais de 5 anos de parceria e esforços conjunto entre WWF-Brasil, o Instituto Pró-carnívoros/Projeto Onças de Iguaçu, Instituto Manacá/Grande Mamíferos Serra do Mar, Instituto Curicaca e do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (CENAP/ICMBio), foi realizada, em fevereiro, a Oficina de Encerramento do Projeto Salvando a Onça-pintada – uma embaixadora das Américas Brasil, na sede do ICMBio do Parque Nacional de Foz de Iguaçu, no Paraná.
Iniciado em julho de 2019 e finalizado em dezembro de 2024, o projeto alcançou resultados de grande relevância para a conservação da onça-pintada (Panthera onca) e de outras espécies de fauna e flora que se beneficiam da presença da espécie por ser topo de cadeia alimentar.
Nos estados de Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, regiões da Mata Atlântica, a onça-pintada está classificada como Criticamente em Perigo (CR) de extinção, ou seja, a um passo de entrar em extinção na natureza da região sul do Brasil.
O objetivo central do projeto foi estabilizar as populações de onça-pintada e aumentar sua população no bioma, assim como conservar seus habitats e reduzir os impactos negativos das principais ameaças.
Felipe Feliciani, analista de conservação do WWF-Brasil e coordenador do Projeto no Brasil, destaca a importância da onça-pintada como espécie indicadora da saúde ambiental na Mata Atlântica:
“As onças-pintadas são espécies emblemáticas e chave para um território. A presença dessa espécie indica que aquele local tem uma cadeia relativamente equilibrada e que as demais espécies também devem estar em boas condições. Quando falamos de Mata Atlântica, a situação é bastante crítica, em boa parte do bioma já não é mais possível encontrar populações viáveis de onças-pintadas, por isso que paisagens como o Alto Paraná e a Serra do Mar são tão importantes como verdadeiros refúgios para que esse bioma não venha a perder seu principal predador.”
Atualmente no estado do Rio Grande do Sul existe apenas um indivíduo macho que percorre a fronteira com a Argentina, um indicativo alarmante da condição da espécie no sul da Mata Atlântica.
De acordo com especialistas do Instituto Curicaca, os dados são assustadores, pois as chances de uma fêmea chegar ao Parque do Turvo, cruzando da Argentina, estão cada vez mais reduzidas. Isso se deve à grande distância das áreas fonte e aos altos riscos de caça ao longo do trajeto e dentro das Unidades de Conservação (UCs) de ambos os países.
O Projeto investiu em melhorar a capacidade cooperada de enfrentamento da caça por meio da qualificação de agentes ambientais, da sensibilização de comunidades locais e do monitoramento populacional. Nesse contexto, iniciativas de translocação de uma fêmea – sem considerar essas ameaças – podem estar fadadas ao fracasso.
A conectividade de paisagens permite que espécies como as onças-pintadas acessem áreas adequadas diminuindo o risco de atropelamento e conflitos com humanos. Isso pode reduzir o risco de extinção local, pois permitem a recolonização de áreas onde a espécie desapareceu.
Os corredores ecológicos permitem que espécies como a onça-pintada se desloquem com segurança entre áreas fragmentadas, garantindo acesso a alimento, reprodução e território, essenciais à sobrevivência da espécie.
Alexandre Krob, coordenador do projeto Onças do Yucumã do Instituto Curicaca, destaca a importância de projetos de mais longo prazo, como este, e reforça a necessidade de continuidade. “Implantar corredores ecológicos exige ações em longo prazo para que se consiga recuperar e manter o ambiente florestal do qual a onça-pintada depende. A cultura da caça está intrincada no meio rural, a mudança de comportamento exige anos de esforços de sensibilização e precisa acontecer paralelamente ao efetivo combate ao crime ambiental e redução da impunidade.”
Monitoramento de onças-pintadas no território
Um dos grandes marcos do projeto foi a consolidação da Rede de Monitoramento da onça-pintada na Mata Atlântica Sul, envolvendo ações coordenadas entre as instituições parceiras: Instituto Pró-carnívoros/Projeto Onças de Iguaçu, Instituto Manacá/Grande Mamíferos Serra do Mar, Instituto Curicaca, CENAP/ICMBio, e o WWF-Brasil.
Ao longo do projeto, foram registrados mais de 50 indivíduos de onça-pintada e mais de 40 espécies de outros mamíferos, além da ampliação da base de dados sobre o comportamento e movimentação desses animais, fundamental para ações de conservação mais eficazes.
Roberto Fusco, Coordenador do Programa Grandes Mamíferos da Serra do Mar, reforça a necessidade da continuidade das ações de monitoramento:
“O impacto que observamos nesses 5 anos foi a criação e a consolidação da Rede de Monitoramento que é uma estratégia multi institucional para promover uma agenda comum de monitoramento participativo em larga escala, com o envolvimento de comunidades locais e áreas protegidas, dentro de um território com mais de 1.5 milhão de hectares. Esse monitoramento em rede, de larga escala, é um processo fundamental para promover engajamento social, produzir indicadores de resultados de conservação, como abundância e ocupação da espécie, e para auxiliar tomadores de decisão nas ações de proteção e manejo não só ao nível local de uma ou duas Unidades de Conservação , mas do corredor como um todo, pois a sobrevivência da onça-pintada é sem fronteiras.”
Comunidades locais como grandes aliados nas ações de coexistência
O trabalho de coexistência com comunidades locais foi fundamental para ter o envolvimento e compromisso de muitos moradores que não conheciam formas de lidar com os encontros com onças-pintadas.
Yara Barros, coordenadora do Projeto Onças de Iguaçu, vencedora do Whitley Awards 2025, um dos prêmios de conservação mais prestigiados do mundo, conhecido como o Oscar Verde, liderou a grande transformação na percepção e relação entre as comunidades locais e às onças-pintadas: transformando o medo em compreensão e encantamento.
Entre 2018 e 2024 foram realizadas 1.996 visitas em 258 propriedades, ao ser a onça-pintada ou ter ocorrido um encontro. Ela explica que o contato direto e contínuo com as comunidades pode diminuir o medo, construir uma relação de confiança, aumentar a tolerância e gerar uma troca de saberes. O atendimento imediato para predação é apenas o início para a mudança de percepção, mas também é um grande diferencial.
“Esse trabalho de coexistência é um diferencial, essa estratégia nossa de atendimento à predação. A gente viu que faz toda diferença, o fato de você atender assim que eles ligam, que teve uma predação, seja uma hora da manhã, meia noite ou 4 horas da manhã, isso faz com que eles confiem no trabalho de quem está trabalhando há muito tempo naquilo que a gente está fazendo. E tem artigos científicos que mostram que quando eles confiam na equipe no órgão que está lidando com o problema, o risco percebido ele cai e a tolerância aumenta”, aponta Barros.
Yara enfatiza que a comunidade se engaja não apenas por entender a importância da espécie e seu valor biológico mas porque “ela não quer viver em um mundo onde os olhos dourados das onças não brilhem mais.”
Impacto em números
- Mais de 50 onças-pintadas individualmente registradas
- Mais de 40 espécies de mamíferos registradas
- Mas de 15 mil pessoas impactadas por ações de coexistência e engajamento
- Mais de 1.9 milhão de hectares de áreas impactados
- Mas de 15 Unidades de Conservação (UCs) envolvidos
Entre conquistas e desafios: próximos passos
O impacto da caça ilegal continua sendo um grande desafio para as populações de onças-pintadas, e de suas presas, na Mata Atlântica. De acordo com dados do Sistema de Avaliação do Risco de Extinção da Biodiversidade (SALVE) do ICMBio 60% da perda populacional de adultos da Mata Atlântica pode ser devido à caça, sendo a maior ameaçada à espécie no bioma.
O Projeto tinha como um de seus objetivos avaliar e diminuir os níveis de caça furtiva. Foram realizadas ações de engajamento como campanhas e consolidação de dados sobre a caça para conscientizar a população sobre essa ameaça. A de maior destaque foram as ações de promoção de coexistência nas comunidades, mas o impacto dessas ações não contribui diretamente para inibir a caça.
Entre os próximos passos do projeto está fornecer dados coletados pelo monitoramento para embasar ações de incidência política entre as instituições parceiras.
O encerramento do Projeto Salvando a Onça-pintada – uma embaixadora das Américas Brasil, marca não apenas o fim de um ciclo, mas a consolidação de um modelo colaborativo de conservação. Ao longo dos mais de cinco anos de atuação, o impacto mais significativo foi a criação e o fortalecimento de uma rede de monitoramento populacional da onça-pintada, estruturada como uma abordagem integrada entre diferentes áreas e instituições. Essa rede integra diferentes organizações, conhecimentos científicos e saberes locais na proteção da espécie e de seu habitat, e o amplo engajamento das comunidades em ações de promoção de coexistência que reduzem diretamente uma ameaça às onças-pintadas.
O trabalho conjunto estabelecido durante o projeto é uma base sólida para as próximas fases da conservação da onça-pintada na Mata Atlântica, demonstrando que a cooperação é fundamental para enfrentar os desafios da biodiversidade.