Se por muito tempo o transtorno bipolar foi considerado um drama encenado apenas no palco do cérebro, novas pesquisas revelam que o corpo todo participa desse enredo. Agora, cientistas descobriram que proteínas do sangue também entram em cena, conectando a doença a riscos físicos até então pouco explorados.
Pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) publicaram na revista Trends in Psychiatry and Psychotherapy uma descoberta que amplia a compreensão do transtorno bipolar: a identificação de perfis de proteínas e vias moleculares alteradas em amostras de sangue de indivíduos com a doença, sugerindo que suas manifestações extrapolam o cérebro e afetam todo o corpo.
Mais especificamente, o estudo analisou amostras de sangue de dez pacientes com transtorno bipolar, todas mulheres divididas em dois grupos conforme grau de funcionamento cognitivo e social, além de cinco controles saudáveis. Utilizando tecnologias como a espectrometria de massa, a equipe identificou oito proteínas que caracterizam exclusivamente o perfil molecular de pacientes com transtorno bipolar de alto funcionamento, enquanto 26 proteínas alteradas foram observadas no grupo com pior funcionamento. Essas proteínas estão ligadas principalmente à cascata do complemento, coagulação sanguínea e metabolismo lipídico.
No grupo de pacientes com baixo funcionamento psicossocial, o padrão de proteínas identificado e as vias de sinalização também foram associadas a maior risco de doenças cardiovasculares. O resultado é importante porque indica que com a progressão da doença bipolar, podem ocorrer alterações sistêmicas, sugerindo que o transtorno bipolar não é apenas uma doença do cérebro, mas uma patologia que se estende ao corpo, provocando alterações físicas detectáveis.
“As proteínas encontradas podem ainda ser um elo entre o transtorno bipolar e condições como diabetes, hipertensão e outras alterações metabólicas que levam a doenças cardiovasculares e morte prematura e que são frequentes em indivíduos com o transtorno, cujos mecanismos moleculares ainda são pouco conhecidos”, destaca a equipe.
O estudo observa que pessoas com transtorno bipolar tendem a morrer antes do que pessoas sem o transtorno — não apenas por suicídio, mas por causas naturais, como complicações cardiovasculares. Com as recentes descobertas, cresce a compreensão do transtorno bipolar como uma doença que exige tratamento global, envolvendo tanto saúde mental quanto acompanhamento clínico.
Outro destaque do estudo é a constatação de que o grupo de pior funcionamento utilizava mais medicamentos, possivelmente refletindo uma maior complexidade do quadro clínico e um possível impacto dos tratamentos nos perfis moleculares. Ainda assim, os autores ressaltam limitações, como o número reduzido de participantes e o fato de todas estarem sob tratamento medicamentoso, fatores que podem influenciar os resultados e precisam ser considerados na interpretação dos achados.
O estudo é o primeiro a usar análise proteômica — estudo em larga escala do conjunto de proteínas (o proteoma) de um organismo — baseada em espectrometria de massa para mostrar padrões moleculares, vias de sinalização e doenças médicas primárias relacionadas a diferentes estágios do transtorno bipolar. Agora, a equipe planeja expandir a pesquisa para outras doenças mentais, como depressão e esquizofrenia, e também para pessoas que realizaram tentativas de suicídio. O objetivo é determinar se as proteínas identificadas são específicas do transtorno bipolar ou comuns a outras condições psiquiátricas.
“Essa diferenciação é crucial para o diagnóstico diferencial, que atualmente se baseia em avaliações subjetivas e entrevistas clínicas. A identificação de marcadores sanguíneos específicos para cada condição seria um avanço significativo para um diagnóstico mais preciso”, pontua Adriane Rosa, uma das autoras do artigo.
“Talvez isso traga uma mudança de mentalidade importante, porque as pessoas, quando pensam em transtorno bipolar ou depressão, pensam que é uma doença só do cérebro. Mas o que esses estudos têm nos mostrado, por exemplo, é que no sangue desses indivíduos já conseguimos detectar proteínas do sistema inflamatório, indicando que a patologia já se estendeu ao corpo todo.”
Fonte: Agência Bori